quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

"AND I MEAN TONIGHT, MOTHERFUCKER!"


Grita a Kirstie Alley, para expulsar de casa a sua porcaria de "projeto de marido", adúltero, insensível, cínico e egoísta (vivido por Woody Allen), quando descobre que ele estava tendo um caso com sua paciente, ao final de uma das cenas mais absurdas, surreais e engraçadas do cinema na minha opinião. O filme em questão é "Desconstruindo Harry" (Deconstructing Harry/1997), a mais auto-biográfica, auto-analítica, reflexiva e "boca-suja", das histórias de Woody Allen. Trata-se de um confuso emaranhado de personagens, histórias loucas e inimagináveis, no qual vida e ficção se misturam, onde o autor/ator/diretor não faz nenhuma cerimônia em desfilar as suas neuroses, patologias e fobias ao expor um personagem que é o seu reflexo no espelho. Infiel, neurótico, deprimido, cínico, sarcástico, ateu, Harry Block é um escritor com bloqueio criativo. Após sofrer uma tentativa de homicídio por parte da sua ex-amante (irmã da sua ex-mulher), a quem ele largou (ambas) para ficar com uma terceira, Harry entra em colapso existencial (sua ex-namorada o havia largado para ficar com seu melhor amigo). Sem ninguém no mundo e aparentemente odiado por todas as mulheres de Manhattan, ele encontra em Cookie Williams, uma prostituta negra em micro-roupas rosa shocking, a sua pedra de salvação, com quem vai a uma homenagem na sua antiga universidade (para receber uma honra ao mérito). No caminho, encontra um amigo a beira de um infarte (que acaba morrendo no trajeto) e o seu filho, por ele seqüestrado na porta da escola (já que sua outra ex-mulher - a psicanalista vivida por Kirstie Alley - não o deixa vê-lo). Durante a jornada, sua mente é povoada por personagens, idéias e fantasmas que, numa espécie de visita ao Ebenezer Scrooge, conduzem Harry à constatação de seu papel como o "pior homem do mundo". Ou pelo menos o "quarto pior", já que "Hitler, Göring e Goebbels" vêm antes dele. Na descontrução do filme, há uma construção surreal de idéias que contam histórias sobre a morte, uma prostituta tailandesa, um homem literalmente fora de foco, o diabo no inferno, uma mulher tão "profissionalmente judia" que chega a agradecer em preces antes de fazer sexo oral e uma velhinha judia que descobre que o seu marido de 30 anos de casamento havia matado a ex-mulher, amantes e filhos com um machado... e os comido. Eis a louca e genial construção desconstruída de Woody Allen: a mais inspirada de suas comédias. O resumo desta ópera é que sua vida está uma bagunça e ele não tem idéia como reverter esse quadro a não ser com uma epifania para uma "história": um homem que não sabe funcionar na vida, apenas na arte. E, neste aspecto, "Desconstruindo Harry" é um primor: arte tragicômica na sua essência mais inquestionável. Ou simplesmente "hilário", nas suscintas palavras da Rolling Stone.

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei muito de seu texto sobre Desconstruindo Harry, menos pelas novidades, mais pelo prazer de compartilhar. Seu blog é muito bonito: belas imagens, textos bem escritos, belas citações... Parabéns. Um beijo no seu coração.

Se um dia quiser, te empresto minha
solidão...

Tomek (mfmess@hotmail.com)