sexta-feira, 28 de março de 2008

MEUS 20 FILMES ESSENCIAIS


Se eu tivesse que escolher entre a centena de filmes que compõem o quebra-cabeças que forma (formou) a pessoa que sou hoje, eu não conseguiria escolher menos do que 20 que, definitivamente, marcaram a minha história, tocaram a minha alma e assim me trasnformaram de alguma forma. Filmes que vi em momentos diferentes da minha vida, moldaram meus gostos e opiniões, e que hoje me ensinam não apenas a entender o mundo que quero, como as próprias pessoas com as quais convivo. "O que acha do filme ´Encontros e Densencontros´?", gosto de perguntar, como uma espécie de exercício exupériano-antropológico para o conhecimento mais aprofundado de alguma pessoa. A resposta, geralmente, me diz o que preciso saber para ir adiante ou mudar o trajeto. Por que não tenho dúvidas de que os filmes são parte da vida, e se infiltram e se mesclam nas memórias, narrando eles mesmos episódios que vivemos. Imagens, personagens, diálogos, trilhas, tudo que nos emociona de alguma forma e que guardamos com carinho como se "aquele filme" fosse parte da nossa biografia, porque nos vemos ali, sentimos cumplicidade e muitas vezes confortados pela descoberta de que não estamos sós em muitos dos nossos pensamentos. Os "nossos filmes" são um reflexo no espelho, radiografia de quem somos, tenho cada vez mais certeza disso. Os meus filmes marcaram de alguma forma o meu entendimento do mundo, por terem sido influências infantis, inspirações românticas, por que me educaram de alguma forma ou me impressionaram profundamente. Uma lista de filmes, portanto, é um ótimo meio de navegar pelas almas das pessoas. Um mapa. Eis o meu, de 18 filmes que ficam e ficarão para sempre no meu imaginário, alma e coração:
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Encontros e Desencontros, As virgens suicidas, Maria Antonieta, Alta Fidelidade, Serendipity, A casa do lago, Amadeus, Filhos do Paraíso, Em busca da Terra do Nunca, Para o resto de nossas vidas, Desconstruindo Harry, Antes do amanhecer, Antes do pôr do sol, Elizabethtown, Brilho eterno de uma mente sem lembranças, Os Goonies, Henrique V e Clube dos Cinco.

quinta-feira, 27 de março de 2008

AS CINZAS DE CALLAS


Maria Callas não foi apenas uma estrela na história da música. Ela foi um evento, uma aparição. E neste sentido emocionante, breve, efêmera. Uma frágil luz sobre o canto lírico, uma ópera em vida, de amor, paixão e tragédia. Nasceu em Nova York, no dia 2 de dezembro de 1923 e surgiu aos olhos do mundo em 1947, na interpretação de La Gioconda, na Arena de Verona. E se consagrou como diva, exigente e temperamental na obtenção dos seus caprichos. Ganhou notoriedade pelo talento e a polêmica em torno de sua imagem. A voz, de um veludo trêmulo, é inconfundível e comove, fazendo os olhos corroerem em lágrimas. É inevitável não sucumbir ao poder da voz de Maria Callas, que parece tocar a alma numa canção de ninar, como se estivéssemos sonhando acordados. Ao final da década de 50 a voz começa a definhar e a diva gradualmente deixa os palcos, fazendo demandas impossíveis de serem atendidas como uma forma de dizer "não" aos inúmeros convites. Passa a se dedicar a outros projetos profissionais, como escolas e coros, que não a satisfazem. Casa-se com Aristóteles Onassis, o milionário, com quem diz ter "enfim começado a vida". E o fim do casamento (ele se casa com Jackie Kennedy) e sua morte são golpes decisivos para o caminho sem volta à reclusão. As apresentações passam a ser cada vez mais escassas até a famosa interpretação de Norma, em Paris (1965). Com a saúde e a voz debilitadas, ela não consege se manter pé até o final, desmaiando ao cair das cortinas no final do terceiro ato. A definitiva apresentação final foi no Japão, em 1974. Entregou-se por fim à solidão, vindo a falecer em 16 de setembro de 1977, no seu apartamento da avenida Georges Mandel, em Paris, vítima de um ataque cardíaco. Um coração partido, sem metáforas. E como era a sua vontade, teve as cinzas derramadas sobre o Mar Egeu.

segunda-feira, 24 de março de 2008

NUNCA É TARDE DEMAIS


Vez ou outra aparece diante de nós um daqueles filmes simples, mas de uma delicadeza comovente. "Antes de partir" (The Bucket list), de Rob Reiner, é um destes filmes. A história narra o encontro de dois homens doentes terminais (Jack Nicholson e Morgan Freeman), que se conhecem na UTI. Um é um mega bilionário (Nicholson) o outro é um mecânico aposentado (Freeman). Ao descobrirem que possuem alguns meses de vida, decidem fugir e viverem verdadeiramente os momentos finais e, para isso, organizam uma lista de coisas a serem feitas. Viajam pelo mundo, visitando as pirâmides e o Taj Mahal, fazem um safári na África, andam de bicicleta pela muralha da China, pulam de pára-quedas, fazem tatuagens, tudo aquilo que gostariam de ter feito e que, como um salto filosófico, "encaram de olhos fechados e coração aberto", como bem diz a linda canção "Say", de John Mayer, que compõe a trilha sonora. O diálogo sobre cremação e lata de biscoito é bonito e a alusão a este momento no final do filme é emocionante. "Antes de partir" é um filme inesquecível, um clássico instantâneo, de cenas e dilálogos maravilhosos. Jack Nicholson está louco como sempre, Morgan Freeman ilumina a tela e tudo caminha para um final original, sensível e comovente (para não dizer de soluçar). Poderia ser óbvio, mas passa longe, longe disso. É um daqueles filmes que são fiéis à essência do cinema: contar uma história, mexer com o nosso espírito, tocar nossas vidas e nos transformar de alguma maneira. E nos mostrar que, por mais que pensemos o contrário, nunca é tarde demais para nada.

A SECRETA SOCIEDADE DOS SIMPSONS


"The Simpsons Movie" é um filme competente na tarefa de levar aos cinemas o mundialmente consagrado seriado animado americano, mesmo com o atraso de uma década. O grande desafio do filme é parecer "fresco" e, neste aspecto, é infalível em alguns momentos e incompetente em muitos outros. Como um episódio inédito de uma hora e vinte minutos, o filme possui toda a essência cômica e irônica do desenho, mas abusa de piadas internas que, mesmo quem é um fã de longa data irá ter dificuldade em acompanhar. Afinal, são dez anos de desenho e um filme que distribui referências sobre seus episódios como uma metralhadora corre o risco de oferecer momentos enfadonhos. Infelizmente, é o que acontece. A história é interessante e divertida, misturando consciência ecológica com ebulição social, Homer está impagável como sempre, Lisa, Bart, Marge, Meggie, Flanders, Moe, Burns, enfim, todas as centenas de personagens estão ali, garantindo a funcionalidade da ópera amarela dos Simpsons, que passam mais uma vez a sociedade americana em revista. Mas os Simpsons se tornaram uma sociedade secreta, fecharam-se em torno de si mesmos ao longo destes anos e somente os verdadeiros fãs se mantiveram fiéis, acompanhando o desenrolar da pacata (mas nem tanto) vida em Springfield (coisa que não acontece com FUTURAMA, também do Matt Groening, que é infinitamente mais acessível mesmo para telespectadores de primeira viagem). Assim, o filme dos Simpsons é inegavelmente feito para eles, membros desta sociedade, que certamente se deliciaram num farto banquete de piadas escondidas nas entrelinhas de uma comédia inteligente que para nós, meros mortais, passou despercebido. Vale à pena e diverte, certamente, mas uma enciclopédia de referência faz muita falta.

terça-feira, 18 de março de 2008

FAMÍLIA


"Lar é onde está o coração", dizem. Concordo. E nem sempre é onde a família está. Lar e família em lugares diferentes. Quase sempre é assim. Aliás, é melhor e saudável, até, que seja assim, já que deixamos a família para seguir um caminho próprio, achar companhia, e assim fundar uma nova família. Isso confirma a idéia de que "lar é onde está o coração". A família fica para trás, como um evento natural de amadurecimento. Mas permanece, intocada, num lugar do qual não pode ser removida: berço original, fábrica da nossa personalidade, pátria de onde nascemos para ganhar o mundo. Um lugar onde não ficamos sozinhos, de pessoas com quem podemos contar a grande parte do tempo. Laços de sangue e destino que acompanham a nossa jornada solitária na terra e amenizam a sufocante solidão do caminho. Família é a certeza na pedra de que não estamos tão sós quanto imaginamos. Assim, se "lar é onde está o coração", família é a terra natal, lugar indiscutível das nossas origens, de onde tivemos cunhados o caráter e a moral, nossa educação e preparação para a vida. Família é uma instituição falha e problemática, não há a menor dúvida. Mas por mais complexos que sejam a sua constituição, sistema e política ela é NOSSA, como bandeira, cultura e idioma do país de que viemos. Família pode ser dor de cabeça, pode ter intrigas, mágoas, mas é onde encontramos lembrança, memória, referência, espelho do que somos, do que nos tornamos. Família é quem nos ama apesar dos nossos defeitos e enxerga a melhor essência das nossas qualidades. É onde somos verdadeiramente queridos por aquilo que somos. Família, a nossa família, será eternamente uma ilha perdida-achada, o porto-seguro das nossas inseguranças, onde seremos eternamente "o número 1". Então refaço o meu pensamento original. Se "lar é onde está o coração", família é onde ocupamos o primeiro lugar.

sexta-feira, 14 de março de 2008

SOBRE OS CÉUS DA ARCADIA

Se eu tivesse que escolher apenas 1 entre todos os RPGs que tive a oportunidade de jogar até hoje, não pensaria duas vezes em ficar com "Skies of Arcadia Legends" (GC), que é o mesmo jogo lançado originalmente para o Dreamcast só que mais completo, com bônus e extras que ficaram fora do original. É uma fórmula completa: heróis carismáticos, jogabilidade fácil e estratégica, gráficos razoáveis (para a época), trilha sonora impecável, recrutamento, construção de base, aperfeiçoamento de navio de combate, um vasto território repleto de ilhas e descobertas, história envolvente e para coroar tudo isso, batalhas memoráveis entre "navios" que cruzam os céus com o poder das seis luas. São pelo menos 45 horas de entretenimento épico, com aventuras sem fim dos piratas do céu, "Blue Rogues", na busca de impedir que o mal assole mais uma vez o planeta. Há elementos de todos os jogos consagrados, de Zelda a Final Fantasy, com toques de Suikoden. No fim das contas não há nada de inovador por assim dizer, o que não impede este de ser um daqueles jogos especiais e inesquecíveis, que são inegavelmente um produto de amor e dedicação. Merecia uma continuação - e há rumores a respeito. Quem sabe a nova geração - de consoles e jogadores - não têm a sorte de descobrir o que há de tão especial sobre os céus da Arcadia?

terça-feira, 11 de março de 2008

UM FILME QUE FICA


Dizem que as maiorias e unanimidades são burras. Não tenho certeza disso. Mas se de fato são, então sou um burro feliz, por que eu também irei dizer que "Juno" é uma preciosidade, um sopro de frescor e renovação para o desgastado cinema da atualidade, que parece ter se engessado na "arte" das explosões e invasão de seres de outros planetas. O celebrado filme indepentente de Jason Reitman, com roteiro original de Diablo Cody (a propósito ex-stripper e blogueira), é uma equação funcional e perfeita do universo indie: temática adolescente, diálogos rápidos e inteligentes (quick-witted aos extremos), personagens carismáticos, dilema de pais e filhos, conflitos pessoais e uma trilha sonora absolutamente adequada para encerrar todo o contexto cult. É uma pequena jóia, uma pedra a ser lapidada. Aliás, como a sua protagonista, Juno Mcguff, interpretada brilhantemente por Ellen Page. A heroína-grávida, de 16 anos, é um amaranhado de emoções e reações, que fazem dela a mais frágil e indefesa menina e uma garota metida a mulher que acha ter todas as respostas para tudo (como todo bom adolescente, aliás). No fim das contas, sentimos o desejo inevitável de entrar na tela e tomar conta de seus problemas, auxiliá-la, cuidar dela por que, do contrário ao que pensa, ela não sabe tanto assim das coisas, da vida. Naturalmente. Ela só tem 16 anos. O filme é recheado de momentos maravilhosos, diálogos memoráveis e atuações singulares (todos os coadjuvantes estão perfeitos e funcionais, em especial atenção ao amigo/amor de Juno, Paulie Bleeker, interpretado com doçura pelo talentoso Michael Cera). Não existe em "Juno" nenhum desejo de crítica, não é um filme politizado, tampouco quer promover reações em nós. É uma história, simples, doce, delicada, sobre pessoas que parecem reais, como o cinema deveria ser. Uma história a ser contada, apenas isso. É um lindo filme, com o qual podemos nos identificar e nos enxergar ali, nas situações e conflitos atravessados por esta pequena-grande mulher que, não por acaso, recebeu o nome da mulher de Zeus, da mitologia. Uma heroína incomum, não convencional e solitária na certeza (equivocada) de sua independência e capacidade de resolução. Um diálogo inesquecível resume tudo, quando Juno responde ao seu pai que a questiona por onde ela andava: "estava por aí, resolvendo assuntos que estão além da minha maturidade". "Juno" é, inevitavelmente, um filme que fica.

segunda-feira, 10 de março de 2008

(DES)CONSTRUÇÃO DA PENA


A Queda! ("Der Untergang"), do diretor Oliver Hirschbiegel é um brilhante e perigoso filme. Sob inúmeras perspectivas. Há ali uma narração enxuta e objetiva das horas derradeiras do III Reich, no fim da II Guerra Mundial, que culmina com o suicídio de Adolf Hitler - e sua esposa Eva Braun - nos porões do bunker da Chancelaria. Sob o ponto de vista de uma secretária, Traudl Junge, tomamos conhecimento do dia-a-dia de um Führer em frangalhos, comandando divisões inexistentes, meio senil, meio demente, mas ainda gritando a plenos pulmões sobre um Estado em pedaços que parece escapar de suas mãos trêmulas. Vemos ali, intimamente, o senhor da morte e da guerra, responsável pela dizimação de milhões de pessoas, direta e indiretamente. Mas vemos também um homem velho, acabado, arrastando-se pelos cômodos e corredores de um abrigo úmido e abafado. E aí está o perigo. Um perigo ideológico para observadores menos esclarecidos. A atuação de Bruno Ganz (que interpreta Hitler) é um fenômeno, um primor, uma incorporação. Quando ele está na tela vemos diante de nós uma aparição, um fantasma do passado em cores vivas. Ele É Adolf Hitler em todos os aspectos. A fala ora mansa ora insandecida, os gestos, o comportamento de um gentil homem da Alta Áustria, está tudo ali, para que nos familiarizemos com o temido e idolatrado chefe e guia da Alemanha. E, quando menos percebemos, somos pegos desprevenidos por um inexplicável sentimento de simpatia e pena daquele homem velho, decadente, trêmulo e doente. Por que, por alguma razão, o filme nos faz conviver pacificamente com a idéia de construção e desconstrução do mito. Vemos Hitler, mas não o enxergamos. E por alguns instantes nos afastamos da sua representação e papel na História. Por fim, uma história de guerra, verídica, absurdamente e abissalmente verdadeira, sobre o caos, a destruição, o fanatismo ideológico, a devastação de um continente, uma cicatriz irreparável na civilização. Uma queda, sem dúvidas, para a qual todos somos e fomos levados. E da qual provavelmente nunca conseguiremos levantar.

quinta-feira, 6 de março de 2008

"MAKE ME A RED CAPE..."


Eu sinto saudades. Não importa o que vem depois desta frase. Eu sinto saudades. Nada contra o estágio atual em que a minha vida se encontra, longe disso, gosto de como os fatos se encaminharam para que eu esteja onde estou hoje, sob todos os pontos de vista. Por que não tenho dúvidas de que estou onde gostaria de estar. Mas naturalmente isso não exclui a minha intrínseca nostalgia de tempos passados em que a minha noção de mundo era mais limitada, mais inocente e, portanto, mais simplificada. Não é o medo de "crescer, procriar e morrer". Bom, talvez até seja, mas está além disso. É uma saudade "do que passou", como um sabor, cheiro, sensação que fica apenas na memória, apenas como lembrança de algo que não se pode ter, uma vez que é um tempo ao qual não se pode retornar. Sinto uma mistura de melancolia com a dificuldade em dizer adeus, desapegar de pedaços do caminho que certamente me fizeram ser quem sou mas que lamento estarem tão longe hoje em dia. Não se trata (totalmente) de uma "crise de 1/4 de vida", mas é que as prioridades, as obrigações e as dificuldades da vida adulta tomam conta da existência como conseqüência do amadurecimento e os prazeres também são outros, bem como os jogos e toda a política de "ser adulto". Nada contra isso também. Afinal, há um sem número de ganhos interessantes também - dormir com alguém, dividir a vida, ter a companhia de alguém é um exemplo. Mas faz falta, lamentavelmente, aquele tempo em que as complicações da vida se resumiam em férias, lanches, tarefas de escola e corações partidos. Não havia contas a pagar nem o trabalho, os compromissos, ter que fazer a média, os sapos a serem engolidos crus. Lembro com saudade carinhosa, inevitavelmente, dos meus anos de capa vermelha - literalmente - em que ter 6 anos de idade era basicamente a minha única obrigação. E sinto saudade, às vezes, deste tempo, desejando que a vida adulta fosse um pouco mais como 1985.

HÁ UMA GUERRA LÁ FORA


Fico com essa impressão, vez ou outra, num dia qualquer. Uma mistura de reflexão-reação imediata ao mundo conforme a construção do meu dia. Tudo termina bem quando começa bem, dizem. E o mesmo vale para o contrário? Possivelmente. E tenho quase certeza que é justamente nestes casos em que as lentes para a percepção das coisas me dá os meios para enxergá-las como são. E aí me vem a certeza: há uma guerra lá fora. As músicas no tocador de MP3 não são as que quero ouvir naquele determinado momento e a passagem ininterrupta das faixas geralmente me leva ao quase atropelamento. Bom, infeliz casualidade. As poças ficam mais fundas e a sujeira da caminhada na rua parece ficar mais barrenta. Ok, vejo um dálmata velhinho e isso me conforta, produzindo um riso de canto de olho. Sinto alguma fome, alguma sede e a cota de café parece não ter atingido o ponto mínimo. Meio como andar na reserva. Mais ou menos isso. Então percebo que o calor do sol está mais intenso e o suor resultante mais insuportável. E com isso a paciência vai desaparecendo como mágica, e pelo ralo, com ela, a tolerância às pessoas diversas que, como eu, também estão tentando atravessar a guerra. Vejo, então, como ninguém está nem aí para ninguém. Pessoas idosas sem auxílio, pastas caídas que espalham documentos no chão sem que ninguém se manifeste em ajudar, cortadas irresponsáveis no trânsito e uma onda constante de mau-humor que vai coagulando no tal inconsciente-consciente-onisciente coletivo, como uma amálgama de má vontade e irritação. E eu faço parte dela. Ora, há uma guerra lá fora e faço parte dela. A conseqüência direta disso é que às vezes sinto como se eu, também, não me importasse. Pelo menos, não o suficiente. E protejo os meus ombros, e daí o que acontece aos lados? Mas luto contra isso, verdadeiramente. Por que há a guerra dentro da guerra, em que sou espião e contra-espião de mim mesmo, de meu próprio espírito dividido esquizofrenicamente entre o pacífico e o bélico. E cedo lugares, e dou passagem, e me ofereço, prontifico, ajudo a carregar. Dou "bom dias" gratuitos e sorrisos sem pretensão. E abandono a ironia e a observação cáustica e venenosa das coisas. É a contra-guerra. Contra-regra. E oscilo entre o bem e o mal, entre as duas metades que tenho em mim, que se completam como dia e noite, numa luta desequilibrada de pesos na balança das minhas reações. Mas sou bom a maior parte do tempo. Sei disso. Mas é inevitável e impossível não ceder aos extremos. Por que assim é na guerra. Vamos aos extremos da nossa humanidade e animalidade conflitantes; a guerra em nós. E isso é apenas um dia entre 365. Am I getting sour with age?

segunda-feira, 3 de março de 2008

NO FIM, O SILÊNCIO


Eis o que nos dá Norman Mailer ao final de sua última obra, "O Castelo na Floresta". Narrado pelo demônio de segundo escalão, "Dieter", o romance nos apresenta a infância e adolescência de Adolf Hitler e tempos anteriores até o seu nascimento. No caminho, discussão sobre a perversão, o incesto, desvios morais e de caráter e a pura e simples maldade em sua essência. O diabo, "o Maestro", possuia um interesse no jovem Hitler e o que ele faria nos anos por vir para auxiliar os planos do Mal na terra. A narrativa envolvente de Mailer é uma montanha-russa de sensações que vão da euforia ao asco em uma mesma página. E quando menos esperamos, talvez até ingenuamente aguardando respostas, ele encerra sua história como se batendo uma porta contra a nossa cara. E para nós, leitores, que recebemos os educados agradecimentos do melancólico demônio Dieter pela leitura, a reflexão que nos parece mais adequada, quando tentamos parar para entender o que foi Adolf Hitler:

“O que permite a sobrevivência dos demônios é que eles são suficientemente sábios para compreender que não há respostas, apenas perguntas”.