segunda-feira, 10 de março de 2008

(DES)CONSTRUÇÃO DA PENA


A Queda! ("Der Untergang"), do diretor Oliver Hirschbiegel é um brilhante e perigoso filme. Sob inúmeras perspectivas. Há ali uma narração enxuta e objetiva das horas derradeiras do III Reich, no fim da II Guerra Mundial, que culmina com o suicídio de Adolf Hitler - e sua esposa Eva Braun - nos porões do bunker da Chancelaria. Sob o ponto de vista de uma secretária, Traudl Junge, tomamos conhecimento do dia-a-dia de um Führer em frangalhos, comandando divisões inexistentes, meio senil, meio demente, mas ainda gritando a plenos pulmões sobre um Estado em pedaços que parece escapar de suas mãos trêmulas. Vemos ali, intimamente, o senhor da morte e da guerra, responsável pela dizimação de milhões de pessoas, direta e indiretamente. Mas vemos também um homem velho, acabado, arrastando-se pelos cômodos e corredores de um abrigo úmido e abafado. E aí está o perigo. Um perigo ideológico para observadores menos esclarecidos. A atuação de Bruno Ganz (que interpreta Hitler) é um fenômeno, um primor, uma incorporação. Quando ele está na tela vemos diante de nós uma aparição, um fantasma do passado em cores vivas. Ele É Adolf Hitler em todos os aspectos. A fala ora mansa ora insandecida, os gestos, o comportamento de um gentil homem da Alta Áustria, está tudo ali, para que nos familiarizemos com o temido e idolatrado chefe e guia da Alemanha. E, quando menos percebemos, somos pegos desprevenidos por um inexplicável sentimento de simpatia e pena daquele homem velho, decadente, trêmulo e doente. Por que, por alguma razão, o filme nos faz conviver pacificamente com a idéia de construção e desconstrução do mito. Vemos Hitler, mas não o enxergamos. E por alguns instantes nos afastamos da sua representação e papel na História. Por fim, uma história de guerra, verídica, absurdamente e abissalmente verdadeira, sobre o caos, a destruição, o fanatismo ideológico, a devastação de um continente, uma cicatriz irreparável na civilização. Uma queda, sem dúvidas, para a qual todos somos e fomos levados. E da qual provavelmente nunca conseguiremos levantar.

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