sábado, 2 de maio de 2009

"LET'S NEVER COME HERE AGAIN...

...because it would never be as much fun". Eu me espanto sobre o tempo que demorei para escrever a respeito de "Lost in Translation" (Encontros e Desencontros) que é, simplesmente, o filme mais importante e decisivo da minha vida. O filme que me apontou quem eu sou e essencialmente me fez entender que eu não estava tão só quanto eu sempre havia julgado estar.
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No entanto, ao ver centenas de vezes aquelas luzes multicoloridas de Tóquio, os silêncios nas janelas, as músicas que ecoam preguiçosas como sonho, compreendo o porquê de eu não conseguir falar sobre o filme. É que "Lost in Translation" não se explica, se sente. E esse é talvez o maior mérito da obra-prima de Sofia Coppola. De qualquer forma, vou lutar contra essa premissa e colocar algumas idéias aqui, cinco anos depois de eu ter ficado muitos minutos parado, completamente emudecido ao ver os créditos finais que surgiam ao som de "Just like honey", hino-indie do Jesus and Mary Chain. Não que eu seja, esteja ou me sinta “perdido na tradução” (o que não seria mentira, na verdade), mas eu sempre me senti de alguma forma perdido na multidão e esse filme me explicou uma dezena pensamentos que até então eu não conseguia organizar direito.
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Já vi muitas vezes esse doce poema urbano, de silêncios eloqüentes, nostalgia e saudade. E ainda não sei em que medida e profundidade o mágico encontro-e-desencontro de Charlotte e Bob me toca. Sei que me toca, apenas. E choro e sinto falta e saudade deles todas as vezes que os vejo ir embora e sei que será assim para sempre; o abraço que eu mesmo gostaria de ganhar de Bob Harris e todos os beijos e carinhos que gostaria de dar à Charlotte, ao sentar do seu lado para olharmos janelas juntos. Foi difícil me conformar com esta paixão platônica e distante, eternamente presa dentro de um filme, abissalmente alheia ao meu toque.

I´m stuck. Does it get any easier?

Há algo onírico e docemente-nublado em “Lost in Translation”. Cada olhar, cada gesto, cada palavra, cena e música. Essa é a história de duas almas gêmeas que tiveram a infelicidade de se encontrar tarde demais. Ainda assim, o comovente abraço de despedida representa que, mesmo que nunca mais voltem a se ver, terão para sempre transformado a vida um do outro. "Não vamos voltar aqui nunca mais; não será tão divertido".
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É tudo muito “lost” em "Encontros de Desencontros". Isso define tudo. Ser “lost”; estar, ficar “lost”; coisas “lost”; filmes, músicas, momentos e pessoas “lost”. Encontrei nesta simples palavra uma definição lacônica que guarda em si mesma uma miríade de múltiplos significados, que resumem tudo, sem contradição e sem explicação. Basta apontar: “isso é lost”. E está assim tudo entendido: sentir além do óbvio, refletir, questionar, buscar profundidade de compreensão das coisas, não se contentar com pouco, colecionar cada pedacinho da vida como uma relíquia sem comparação, contemplar janelas e se perder em estações de trem e aeroportos. Descobri que sou “lost” e, de certa forma, foi assim que me encontrei.
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“Encontros e Desencontros” me conduz a algo puro e profundo. Algo que conforta, de que ainda é possível acreditar nas pessoas, que o mundo não é tão caótico e que não estamos tão sós quanto pensamos estar. Não quero falar em amor, apenas, e na nossa busca constante por ele. Não, este não é um filme de amor. É uma “história de meio”, apenas, sem começo nem final. Um fragmento de vida, uma linda e inesquecível passagem na história de duas pessoas perdidas que se encontram uma na outra.

Are you awake?

Charlotte está “estagnada”, Bob “incrédulo”. E os dois se contaminam do que mais precisavam naquele momento de suas vidas: ela, de que “tudo eventualmente vai dar certo” e ele, de que “ainda há tempo para se fazer algo de construtivo em sua vida”. O Japão, o idioma impronunciável, incompreensível, é nada mais que uma elegante moldura. Suave, discretíssima, leve, quase agridoce. Bob e Charlotte poderiam ter se conhecido em um campo de batalha e tudo teria sido igual. Afinal, essa história é apenas sobre eles.

Esse filme me atinge como um raio, porque sou um contemplador de janelas e filósofo não graduado pelo silêncio da vida. Melancolicamente feliz, sempre, a cada novo dia. Amante, apaixonado das pequenas coisas, ainda que eu busque sofisticar meu olhar diariamente. Sarcástico, irônico e quase venenoso em alguns pensamentos e palavras, ainda que carregue uma enorme carga de bondade na alma. Sou assíduo e devoto freqüentador das reuniões que faço comigo mesmo. Como Charlotte, descobri na marra, a capacidade de entreter a mim mesmo, olhando as luzes da cidade, sentado na janela sem sono do meu quarto, buscando novas companhias, encontrando em cada viagem - mesmo imaginária - uma fenda no tempo, mágica nem que para mim, apenas. Sou crente na capacidade mítica e de eternização das fotografias, que guardo e coleciono como tesouros secretos.

Assim, escolho definir a mim mesmo como alguém simplesmente (ou complicadamente?) “perdido na tradução”. Falo isso como cronista e crítico de minhas andanças, de meus encontros e desencontros, das minhas espiadas pela janela do meu quarto, das minhas pequenas paixões e grandes frustrações, dos meus sonhos e devaneios distantes, da minha humilde percepção da vida, do amor, da melancolia e da saudade.

I just don’t know what I’m supposed to be.

Como em Bob e Charlotte, há algo de insone em mim. Por isso acordo cedo, para ver as primeiras luzes do dia, sentir cheiro de café e encontrar-me comigo mesmo. Logo no começo dos dias, minha cabeça ferve de pensamentos. Lembro de Tchaikovsky, que andava com uma mão sob a cabeça, “para que ela não caísse”, tamanha era a quantidade de pensamentos que tinha.

São nesses momentos especiais que vou me convencendo de que me preocupo em demasia e que a vida não é tão complicada assim. E esqueço dos medos e dos dogmas. E de que existe algo que se chama de “sucesso” e algo que se chama de “fracasso”. Aceito que existir pode ser “como mel” e vou me dando conta de que “sim, eu estou bem”.

Já não sinto tanto medo de me prender, e até tento não planejar tanto. Sei que pode ser difícil, mas me esforço em ser e deixar ser, amar e viver com aceitação; permitir-me os sonhos e alegrias possíveis; viver o dia, um após o outro, com construção diária de idéias. É o que faz a vida ter algum significado. Esse, para mim, é o caminho da felicidade. E sinto que ando mais próximo dele.

You’ll figure that out. The more you know who you are, and what you want, the less you let things upset you.

É isso que quero dizer; o porquê deste filme, desta história, ser tão importante para mim. Ela me traz de volta a mim mesmo, quando percebo que estou me distanciando do que já conquistei e começando a sucumbir aos medos mais tradicionais da nossa solitária (mas nem tanto) existência. Sou e acho que sempre serei “perdido na tradução”, mas sou feliz assim. Porque me descobri assim e percebi que posso encontrar minha felicidade assim.

No meu “táxi para o aeroporto” me proponho exatamente essa reflexão: que quero ser feliz, apenas, e que isso é possível, está ao alcance dos dedos, como meus biscoitos de infância. Olho pela janela do carro e compreendo que a alegria da vida está em nós, dentro de nós, e nos encontros (e desencontros) que acabamos por experimentar e que são todos eles imensamente importantes. Sempre fui um amante de encontros improváveis e as belas histórias que nascem deles. Isso é recorrente em mim e talvez por isso me enxergue tanto em Bob, quanto em Charlotte.

Não, eu não tenho medo de abraçar um estranho. Há algo em mim, extremamente proustiano, de quem não sabe dizer adeus a nada nem a ninguém. E é nesse aspecto que me comovo tanto com o “abraço final”, o abraço do “não se preocupe tanto com o amanhã” do fim do filme. Porque sei, aprendi no choro, que algumas coisas na vida, eventos, pessoas, momentos, passam mesmo e não voltam nunca mais. Apreciar cada segundo de tudo, portanto, é o segredo não para evitar a melancolia (ela é inevitável), mas para cultivá-la como algo importante à alma. A necessária solidão. A necessária tristeza.

É o que me dá coragem, apenas posso dizer. Não sou soldado - longe disso - e nem sei se gostaria de ser. Somente me faço crer que cada novo dia será diferente e melhor, por mais nublado e esquisito que esteja. Não sou um otimista cego, e procuro não ser um pessimista profissional. Tenho fé nas coisas e nas pessoas.

Com algum esforço, consigo voltar a enxergar o mundo com meus “olhos de 6 anos de idade”, quando me vestia de Super-Homem, sob o imperdoável sol de 36 graus da minha cidade. É porque, no fim, ainda que viva momentos de melancolia, também sou bobo, apaixonado e entusiasta das pequenas coisas, como criança. E caço em todos os olhos e todos os abraços, o meu novo encontro-e-desencontro, que simplesmente me permita acreditar que tudo vai dar certo.

Um comentário:

Anônimo disse...

hoje li esta crônica sobre ''lost in translation'' e me intriga a ausencia de comentarios.
Texto de primeira grandeza,meu filho.
Sua melancolia sempre me faz chorar,e seu lado criança sempre me fará rir.
Lembre-se de mim,de vez em quando.
Não me ''perca''.Não se perca.