sábado, 3 de outubro de 2009

A FILHA DO REI


Ninguém tinha muita paciência com aquela menina. Professores, amigos, nem mesmo os seus pais. Na escola era sempre motivo de piadas e dificilmente conseguia manter uma amizade nova. Todos a achavam estranha demais, uma criança excêntrica, quase assustadora. Ninguém se interessava pela companhia de uma menina como ela, que tinha um jeito diferente de abordar as pessoas e compreender o mundo. Enquanto todas as crianças de sua idade vinham em busca dos “porquês de adultos” ela entretinha-se de trazê-los suas próprias respostas.

Curiosamente, ela era amada pelos animais, que se aglutinavam ao seu redor como se atraídos por um farol. Passarinhos pousavam em sua cabeça, cachorros interrompiam o latido incessante diante da sua presença ou mesmo insetos, grandes e pequenos ficavam imóveis na palma de suas mãos pequeninas. Aquela era, inegavelmente, uma menina doce, solitária e reflexiva. Um pouco silenciosa, claro, mas não havia motivo para ser tão hostilizada.

A verdade é que ela parecia pouco se importar. Quando sua mãe a repreendia mesmo sem razão, ela sorria e a abraçava. Quando seu pai a castigava, aceitava quase feliz a punição, ainda que não entendesse sua culpa real. Os amigos que a perseguiam na escola ela já nem perdia tempo em ouvir. Apenas os olhava, sem julgar nem sentir raiva. Ás vezes sentia pena, até. E nunca, nunca, sentia-se só ou triste. Mesmo quando nada no seu dia dava certo, ainda assim ela olhava para cima e se confortava em aquecer as bochechas ao sol.

A menina adorava a natureza e parecia ser adorada por ela também. Nunca tropeçava numa pedra, nunca pegava uma gripe de chuva, nunca cortava seus pés descalços, nunca comia uma fruta estragada. Havia algo para ela, na estranheza daquele mundo tão imenso - e que em nada a intrigava - a certeza de que ela sempre estava na melhor das companhias. Gostava do frescor do vento e da água gelada, da grama molhada e da areia áspera, da casca das árvores e das rochas imóveis, das gaivotas e dos besouros. Tudo, para ela, era uma doce companhia.

Os passeios da escola sempre criavam inúmeras situações para que ela fosse alvo de mais piadas e perseguição. Não que ela se importasse, pelo contrário, mas é que se sentia um pouco cansada daquilo, de vez em quando. Feliz, porém, com seus sete anos recém completos e mais um dia ensolarado, ela deixava para lá e os ignorava. Se não havia motivos para que gostassem dela, para que procurar entendê-los?

Os banhos de lagoa eram muito divertidos, no entanto. Os meninos e as meninas se ocupavam com tanto esforço em ignorá-la, que nem percebiam que ela era a única criança cujos pequeninos pés se equilibravam gentilmente acima da fina superfície das águas.

Era quando ela mais ria de tudo aquilo.

Um comentário:

lilian disse...

Gostei muito,me comoveu.