quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O BOTÃO DE NAPOLEÃO


Daniel era um menino solitário. Vivia com os seus pais em Marselha, num dos poucos bairros que haviam sobrevivido à ocupação alemã, durante a II Guerra. O pequeno apartamento tinha vista para um grande paredão de concreto que, com algum esforço e quase meio corpo para fora da janela, permitia avistar uma fina linha de oceano que banhava o outro lado da cidade. Era assim, quase pendurado na janela, que Daniel passava muitas manhãs. Tardes e noites também. Ele gostava de "ver" o mar, onde se perdia em pensamentos heróicos nos quais navegava em galeões espanhóis e combatia piratas ferozes. Suas aventuras eram sempre interrompidas pelos gritos desesperados de sua mãe que, quase todos os dias, abandonava a roupa por passar para tirar o filho teimoso da janela. "Você ainda vai cair lá embaixo, Daniel!" Mas não havia quem tirasse aquela ideia fixa da cabeça do menino.

Franzino, esquálido, sempre se machucava nas brincadeiras de rua, algo que lhe rendeu o apelido "Daniel de papel". Como quase nunca participava dos jogos com os meninos, Daniel acabava sempre perdido em seus pensamentos. Quando via os garotos escalando árvores e muros, imaginava os selvagens na África. Quando os meninos faziam brigas e corridas, rapidamente ele os vestia com uniformes e canhões de batalha. Assim era Daniel, um menino de pensamentos.

Daniel não era um menino pobre, embora não estivesse muito longe disso. A vida não era fácil para ninguém com o fim da guerra. No Natal, ganhava às vezes um livro ou soldados de chumbo. E comia chocolate uma vez no ano, quando fazia aniversário. Mas era um menino alegre e carinhoso, destes que nunca voltam para casa com joelhos ralados e vidraças quebradas. Havia algo em Daniel, algo profundo, que ninguém parecia dar muita importância.

Somente uma pessoa sabia que Daniel era um menino especial. Seu avô, Albert, adorava-o e sempre que tinha tempo, passava longas horas com o seu neto em companhia de brioches que trazia quando visitava a família. Os dois atravessavam tardes inteiras discutindo o tema predileto de ambos: Napoleão Bonaparte, "o maior aventureiro de todos os tempos". Daniel jamais esqueceu destas conversas e o cheiro dos brioches que seu avô trazia quase todas as semanas. Guardou para sempre esta memória consigo.

Quando seu avô morreu, apesar de não ter posse alguma, deixou para Daniel aquilo que considerava seu bem mais precioso: um botão de marfim que, segundo ele, havia caído da casaca do próprio Napoleão quando de suas batalhas nas areias do Egito. Vovô Albert usava-o como um amuleto que fazia os olhos de Daniel brilharem como estrelas. Pouco importavam as inverossimilhanças. Para Daniel, aquele botão era o tesouro mais valioso do mundo e ele tinha certeza que havia um dia adornado o uniforme do grande conquistador.

O menino recebeu das mãos de seu pai um pequeno envelope, onde suas mãos pequeninas podiam distinguir um pequeno volume e um bilhete:

"Querido Daniel,
Neste envelope está o bem mais sagrado e valioso para nós, que pertencemos a esta estirpe em extinção de grandes aventureiros. Espero que ele inspire você a viver e narrar grandes aventuras. Guarde-o com cuidado e carinho. Nunca deixe de sonhar. Nunca deixe de acreditar.
Vovô".

Daniel guardou o presente do seu avô por toda a vida. Um botão velho que ele mantinha amarrado ao pulso direito. Seu punho de escritor. "Daniel de papel" acabou se tornando um cultuado novelista de romances históricos, repletos de mistérios e aventuras. Seu tema predileto? A Era Napoleônica.

Sempre que dava autógrafos, Daniel era indagado sobre aquele estranho amuleto. "Budista?". Ao que ele respondia, com polidez, "algo assim". O botão acompanhou Daniel por toda a vida, sendo então passado a filhos, netos e bisnetos. O famoso "botão de Napoleão". Coincidência ou mistério, curiosamente, aquele velho botão trouxe muita sorte, sucesso e longevidade a todos os "aventureiros" que o herdaram. Aventureiros que, contra toda a bruta racionalidade da vida, "nunca deixaram de sonhar e acreditar".

* * *

"General, este botão acaba de cair de seu uniforme".
"Pois guarde-o, então. Trar-lhe-á sorte. Estamos voltando para casa".

2 comentários:

LILIAN disse...

VOU COMENTAR AQUI,EMBORA TENHA ME
EMOCIONADO MAIS O POEMA POSTADO LOGO ABAIXO;''INVENCIVEL'',SUPER!
MAS ADOREI ESTA FABULA,CÁ COM MEUS BOTÕES,PENSO:QUE BOM LER O QUE VOCE ESCREVE.
SEMPRE MÁGICO.

Ana Lucia disse...

Lindo conto!!! Adorei! Voce esta cada dia melhor!
Que linda é sua alma tao rica de ideias....