segunda-feira, 28 de junho de 2010

"A ELEGÂNCIA DO PORCO-ESPINHO"

Uma zeladora de meia idade, viúva e desencantada pela vida. Uma menina de 11 anos que planeja o seu suicídio para o próximo aniversário. Um japonês delicado e misterioso. Gatos preguiçosos por toda a parte. Um condomínio de luxo em Paris, recheado de pessoas superficiais e movidas à "psicanálise, calmantes e champanhe". Esse é o cenário de "Le Hérisson" ("The Hedgehog"), filme francês baseado no romance "A Elegância do Ouriço", de Muriel Barbery.

Uma linda história sobre amor e encontros improváveis

Apesar de o livro não oferecer uma leitura fácil, já que é marcado por um ritmo lento e dezenas de referências filosóficas, a história é interessante e narra a vida comum (e nada comum) de parisienses que, por alguma razão do destino, acabam se relacionando. Renée, a zeladora, é uma mulher fechada, cultíssima, mas que faz questão de ser vista como ignorante, para facilitar o "relacionamento entre as classes", afinal, "quem quer uma zeladora pretenciosa?". Paloma é uma alma velha trancafiada no corpo de uma menina de 11 anos que, como uma lagarta sonha por uma metamorfose que a ajude a reinventar a própria vida. Refém de uma família fútil, com a qual não consegue estabelecer nenhum vínculo afetivo, Paloma passa os seus dias compondo um diário em vídeo sobre o seu plano de romper com a existência mundana. Repentinamente, surge Kakuro, um solitário japonês que se encanta com os mistérios de Renné e estabelece com ela uma amizade doce e sincera. O título oferece uma delicada metáfora - criada pela menina Paloma - e que amarra as reflexões finais sobre o destino daquelas pessoas, Rennée especialmente.

Apesar de filmes baseados em livros geralmente decepcionarem, considero esse caso uma exceção interessante. O filme me agradou muito mais que o livro que, confesso, não consegui me prender. A direção discreta e precisa elimina uma série de entraves da narrativa escrita que ajudam muito a condução da história na tela e deixam a trama muito mais acessível.

Por fim, não é nada demais. É um filme que traduz muito da sua principal protagonista, que enxerga muito pouco em si mesmo mas, ao mesmo tempo, tem tanto a oferecer. É uma linda história sobre o amor e encontros improváveis. E de um encantamento surpreendente. Basta não temer os espinhos que cobrem o ouriço. Ainda sem data para lançamento no Brasil.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

“SOLIDÃO CONTENTE” – TEXTO DE IVAN MARTINS (EDITOR-CHEFE DA REVISTA ÉPOCA)



O que as mulheres fazem quando estão com elas mesmas

Ontem eu levei uma bronca da minha prima. Como leitora regular desta coluna, ela se queixou, docemente, de que eu às vezes escrevo sobre “solidão feminina” com alguma incompreensão.

Ao ler o que eu escrevo, ela disse, as pessoas podem ter a impressão de que as mulheres sozinhas estão todas desesperadas – e não é assim. Muitas mulheres estão sozinhas e estão bem. Escolhem ficar assim, mesmo tendo alternativas. Saem com um sujeito lá e outro aqui, mas acham que nenhum deles cabe na vida delas. Nessa circunstância, decidem continuar sozinhas.

Minha prima sabe do que está falando. Ela foi casada muito tempo, tem duas filhas adoráveis, ela mesma é uma mulher muito bonita, batalhadora, independente – e mora sozinha.

Ontem, enquanto a gente tomava uma taça de vinho e comia uma tortilha ruim no centro de São Paulo, ela me lembrou de uma coisa importante sobre as mulheres: o prazer que elas têm de estar com elas mesmas.

“Eu gosto de cuidar do cabelo, passar meus cremes, sentar no sofá com a cachorra nos pés e curtir a minha casa”, disse a prima. “Não preciso de mais ninguém para me sentir feliz nessas horas”.

Faz alguns anos, eu estava perdidamente apaixonado por uma moça e, para meu desespero, ela dizia e fazia coisas semelhantes ao que conta a minha prima. Gostava de deitar na banheira, de acender velas, de ficar ouvindo música ou ler. Sozinha. E eu sentia ciúme daquela felicidade sem mim, achava que era um sintoma de falta de amor.

Hoje, olhando para trás, acho que não tinha falta de amor ali. Eu que era desesperado, inseguro, carente. Tivesse deixado a mulher em paz, com os silêncios e os sais de banho dela, e talvez tudo tivesse andado melhor do que andou.

Ontem, ao conversar com a minha prima, me voltou muito claro uma percepção que sempre me pareceu assombrosamente evidente: a riqueza da vida interior das mulheres comparada à vida interior dos homens, que é muito mais pobre.

A capacidade de estar só e de se distrair consigo mesma revela alguma densidade interior, mostra que as mulheres (mais que os homens) cultivam uma reserva de calma e uma capacidade de diálogo interno que muitos homens simplesmente desconhecem.

A maior parte dos homens parece permanentemente voltada para fora. Despeja seus conflitos interiores no mundo, alterando o que está em volta. Transforma o mundo para se distrair, para não ter de olhar para dentro, onde dói.

Talvez por essa razão a cultura masculina seja gregária, mundana, ruidosa. Realizadora, também, claro. Quantas vuvuzelas é preciso soprar para abafar o silêncio interior? Quantas catedrais para preencher o meu vazio? Quantas guerras e quantas mortes para saciar o ódio incompreensível que me consome?

A cultura feminina não é assim. Ou não era, porque o mundo, desse ponto de vista, está se tornando masculinizado. Todo mundo está fazendo barulho. Todo mundo está sublimando as dores íntimas em fanfarra externa. Homens e mulheres estão voltados para fora, tentando fervorosamente praticar a negligência pela vida interior – com apoio da publicidade.

Se todo mundo ficar em casa com os seus sentimentos, quem vai comprar todas as bugigangas, as beberagens e os serviços que o pessoal está vendendo por aí, 24 horas por dia, sete dias por semana? Tem de ser superficial e feliz. Gastando – senão a economia não anda.

Para encerrar, eu não acho que as diferenças entre homens e mulheres sejam inatas. Nós não nascemos assim. Não acredito que esteja em nossos genes. Somos ensinados a ser o que somos.

Homens saem para o mundo e o transformam, enquanto as mulheres mastigam seus sentimentos, bons e maus, e os passam adiante, na rotina da casa. Tem sido assim por gerações e só agora começa a mudar. O que virá da transformação é difícil dizer.

Mas, enquanto isso não muda, talvez seja importante não subestimar a cultura feminina. Não imaginar, por exemplo, que atrás de toda solidão há desespero. Ou que atrás de todo silêncio há tristeza ou melancolia. Pode haver escolha.

Como diz a minha prima, ficar em casa sem companhia pode ser um bom programa – desde que as pessoas gostem de si mesmas e sejam capazes de suportar os seus próprios pensamentos. Nem sempre é fácil.

terça-feira, 22 de junho de 2010

PARA VER E OUVIR: SARAH MCLACHLAN - NOVO SINGLE - "LOVING YOU IS EASY"


Apresentação no David Letterman Show para o lançamento do novo disco, "Laws of Illusion".

sábado, 19 de junho de 2010

PERDIDOS PRAZERES


Mesmo muito doente, meu avô não abriu mão de fazer algo que, desde sempre, eu o via fazer: ir todos os dias, ao final da tarde, à livraria Perdidos Prazeres, que ficava a uma quadra da sua casa. Minha vó contava que ele visitava aquela livraria desde os anos 40, quando ainda estudava Direito. E até a véspera da sua morte ele visitou a livraria, onde ficava das cinco da tarde até as sete da noite. Sempre. Ía sozinho, em silêncio e se despedia da minha vó, com um carinhoso beijo na testa. Todos os dias. 

Minha vó o via se levantar, pegar o paletó e se ajeitar diante do espelho. Ela sorria, disfarçando uma melancólica conformação. Era o que ele gostava de fazer, todos os dias, desde quando se casaram. Após quase 60 anos, não havia mais do que reclamar. Era seu raro, seu único prazer. Ele estava doente e ela apenas dizia para ele tomar cuidado.

Às sete e meia, quando chegava em casa, entrava sorrindo e, nas tardes em que eu passava com a minha vó (mesmo já adolescente), meu avô trazia em mãos pães doces que comíamos com café. Acho que ele era chegado às rotinas. Mas eu nunca entendia ao certo o que meu avô tanto procurava naquela livraria. "Perdidos Prazeres". Ele não me parecia muito apreciador de literatura e, na verdade, entre os poucos livros da casa havia, em grande parte, velhos livros de Direito e alguns de poesia, de minha vó. 

Tampouco ele falava em literatura. Quando tento me recordar, acredito que em nenhum momento de minha vida conversei com meu avô sobre livros. Ele tinha outros prazeres. Gostava de cartas, de música e de partidas de futebol. Gostava de pescar com o meu pai e de festas de casamento. Adorava conhecer os namorados das minhas tias e de brincar com os três gatos da casa. Mas não livros. Pelo menos, não que eu me lembre. Mas ninguém se permitia questionar isso. "É o que as pessoas velhas fazem", minha mãe me explicava quando eu era criança. Meu avô gostava de ir à livraria e ninguém questionava.

Na madrugada em que ele morreu, em casa, sereno e sem sofrimento, minha mãe me acordou à meia-noite. "Vovô morreu". Eu tinha 16 anos na época e lembro de chorar, profunda e copiosamente, exatamente três anos depois desse dia. Estava no primeiro ano de faculdade e visitei minha vó, como fazia quase todas as semanas. Encontrei-a remexendo caixas, gavetas e armários. Ela estava separando dezenas de objetos e roupas do meu avô para serem doados e me perguntou se eu gostaria de ficar com algo. 

Abri o enorme armário de jacarandá - em que eu gostava de me esconder quando era criança - e vi uma coleção de ternos bonitos, bem cortados, destes que jamais ficam fora de moda. "Porque não fica com um?", minha vó interrompeu meus pensamentos. "Acho que ele iria gostar". Passei a mão, carinhosamente, pelos ombros dos paletós, como se me permitisse um último, um atrasado carinho nos ombros do meu avô. E nem percebi quando meus olhos transbordavam em lágrimas que eu não sabia explicar de onde viam. Percebi, apenas naquele momento, o quanto eu amava meu avô e quanta saudade eu sentia. Mas, principalmente, o quão pouco foi o tempo que passamos juntos. Três anos depois. Minha vó me abraçou, com delicadeza, e até hoje lembro do cheiro de lavanda da sua roupa que amparava os meus soluços inesperados naquele dia. 

Escolhi um paletó azul marinho, solitário, já sem a calça. Apenas uma jaqueta muito surrada mas com tanto charme que bem poderia ser vendida numa loja sofisticada ao preço do resgate de um rei. Minha vó sorriu, passou a mão no peito do paletó. Parecia saudosa e me explicou que aquele havia sido o primeiro paletó do meu avô, justamente o único que ele tinha quando era jovem. Ele o havia vestido por todos os anos da faculdade, já que não possuia meios na época para ter mais de um. Minha vó queria lavá-lo, mas eu não aceitei. Vesti-o imediatamente e senti naquela roupa velha o abraço final que não havia dado em meu avô. Senti um conforto imenso, de despedida e fui embora.

No caminho, instintivamente, mexi nos bolsos e nada encontrei. A não ser por um cartão de visitas, tão velho e amarelado, que parecia se desfazer em minhas mãos. Nele, um endereço extremamente familiar, e um nome em letras garrafais, numa grafia que exalava coisa antiga: "Perdidos Prazeres". Ao fundo, apenas um nome, quase desenhado numa linda caligrafia feminina: Amália. Parei alguns instantes, intrigado com aquele pequenino mistério. Quem era Amália? E que motivo havia feito meu avô guardar aquele cartão, intocado, dentro de um paletó mais velho até que o meu pai? 

De repente, senti uma chuva de pensamentos me cobrindo as ideias, como uma onda revolta. Corri, a passos largos, para a notória livraria do meu avô e parei sob a entrada, como um peregrino: "Perdidos Prazeres". Caminhei lentamente, ouvindo um tilintar atrás de mim, destes que denunciam a entrada de um novo cliente.

Não havia ninguém por perto e percebi que era a primeira vez que eu entrava naquele lugar. A livraria era um espaço interessante, antigo, como estas livrarias que vemos nos filmes, com longas prateleiras de madeira e livros do chão ao teto, como um sebo. Havia aquele cheiro de papel, plástico e madeira no ar. Poltronas e tapetes espalhados criavam uma atmosfera aconchegante e, se vivêssemos numa cidade fria, o centro da livraria poderia ser adornado com uma lareira. Mas não era o caso. Foi quando notei o quanto eu estava suando.

"Porque você não tira o casaco, meu filho?", ouvi uma voz doce ao meu lado. Uma senhora de bochechas rosadas e cabelos grisalhos encaracolados me abordou. Havia um brilho em seus olhos e era como se eu a conhecesse. Ela sorria, esperando meu consentimento. Tirei o casaco e entreguei em suas mãos. Ela dobrou com cuidado e descansou o paletó do meu avô sobre uma cadeira.


"A senhora, por acaso, se chama Amália?, perguntei. Ao que ela consentiu, com certa curiosidade. Abracei-a, com muito carinho, e notei que ela retribuiu meu abraço. "Ele a amou por toda a vida, até o último dia", sussurrei. Ela não parecia entender aquela estranha situação e deve ter me julgado como louco, mas disfarçou bem. Quando me preparava para ir, lembrei que havia esquecido o paletó na livraria, mas rapidamente percebi que assim é que deveria ser. Olhei uma última vez para o letreiro e acenei para a senhora, que acenou de volta, por detrás do vidro polido e marcado por longas letras douradas. "Perdidos Prazeres".

Quando voltei meu olhar para a rua, acabei esbarrando numa moça que caiu no chão com o trombo. Ela tinha cabelos vermelhos, compridos, e sorriu do chão quando eu prontamente fui em sua ajuda. Olhamos um ao outro nos olhos por não mais que dois segundos. Ainda segurava sua mão quando ela me deu a entender que precisava entrar. "Você trabalha na livraria?", perguntei. "Não, apenas ajudo a minha vó às quartas-feiras. Ela é a dona, aquela senhorinha ali", disse, ainda sorrindo e apontando para o vidro. "Posso te ver mais tarde?". "Pode. Pode, sim".

E, entre os meus mistérios flutuantes, eu tive todas as certezas que poderia ter na vida.

"Casarei com esta mulher".

sexta-feira, 18 de junho de 2010

E FOI-SE EMBORA SARAMAGO



AS ÚLTIMAS PALAVRAS DE JOSÉ SARAMAGO (1922/2010)

"Acho que na sociedade actual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de refexão, que pode não ter um objectivo determinado, como a ciência, que avança para satisfazer objectivos. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, não vamos a parte nenhuma".

Foto de Sebastião Salgado (Saramago nas Ilhas Canárias - 1996).

quinta-feira, 17 de junho de 2010

PARA VER E OUVIR: THE STROKES ("I´LL TRY ANYTHING ONCE")


Obs.: Não é um videoclipe oficial (é um fanmade video). Mas nem por isso menos interessante.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

POSTER E TRAILER DE "SOMEWHERE", NOVO FILME DE SOFIA COPPOLA

Após muita espera e especulação, saem o primeiro poster e o trailer oficial de "Somewhere", novo filme de Sofia Coppola (ainda sem título no Brasil). Este será o quinto filme da carreira de Sofia, diretora de talento inegável e estilo inconfundível (apesar de "The Virgin Suicides" ser a sua estreia oficial, o primeiro trabalho de Sofia como diretora e roteirista é, na verdade, "Lick the Star"). "As Virgens Suicidas", "Encontros e Desencontros" e "Maria Antonieta" partilham sempre de uma fotografia onírica (infelizmente "Somewhere" não contará com o talento de Lance Accord), tons e devaneios melancólicos, e são marcados por trilhas sonoras inesquecíveis. Destaque, no trailer, para a música de Julian Casablancas, dos Strokes que já permite sentir um pouco o tom do filme que, a um primeiro olhar, parece se aproximar muito da atmosfera de "Lost in Translation". Na história, um ator de Hollywood (Stephen Dorff) repensa a sua vida após a visita da sua filha de 11 anos (Elle Fanning), tendo como cenário o tradicional hotel californiano Chateau Marmont. Estreia prevista para dezembro nos Estados Unidos (sem previsão por enquanto para o lançamento brasileiro). Literalmente, esperar para ver. Mas quando se trata de um novo filme de Sofia Coppola - pelo menos para mim - a espera sempre vale.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

quarta-feira, 9 de junho de 2010

O FASCINANTE FASCISMO DE LADY GAGA


Ela está, indiscutivelmente, cada vez mais perto do poder combustível e criativo de Madonna. E, ao mesmo tempo, fundando um espaço muito próprio na indústria. Lady Gaga, em "Alejandro", flerta perigosamente com o fascinante fascismo, tabus religiosos, a morte e o sexo. Não sei que opinião formar sobre a música (ainda), mas do ponto de vista plástico é simplesmente fenomenal.

terça-feira, 8 de junho de 2010

ILUSTRANDO

Elizabeth Taylor (Retrato) - Andy Warhol

sábado, 5 de junho de 2010

PORQUE GLEE É REALMENTE LEGAL

Confesso, eu também me rendi a "Glee", o novo seriado-teen-musical-do-momento. Mas aí é que está. Ou não está. "Glee" é, e não é, um seriado-teen-da-moda. Ok, é um drama musical, num cenário razoavelmente previsível, onde adolescentes tão talentosos que bem poderiam estar na Broadway cantam pelos corredores de uma escola norte-americana. Há as líderes de torcida, com seus vestidos colados e rabos-de-cavalo, bem como os esportistas e os nerds; os professores compreensivos e os tiranos. E a novela de sempre, sobre quem está apaixonado por quem. Mas, então, porque razão "Glee" é realmente legal e não mais do mesmo? A resposta é simples. "Glee" é cool. Porque é uma fantasia que abre espaço para todos. Não é preciso ser perfeito para estar aqui. Entre os talentos musicais, todos podem brilhar. Negros, asiáticos, latinos, gordos, gays, cadeirantes. E não porque o seriado quer ser politicamente correto e assumir um tom político de "sitcom para as minorias". Não há nada disso aqui e "Glee" não faz questão nenhuma de ser "o seriado sobre os coitadinhos". Sim, há algo "loser" a respeito de ser "Glee", mas quem se importa? É onde todos podem se expressar, gritar a plenos pulmões e não se deixar sufocar (mais) pela sociedade do perfeito. Não é o fim da tirania da beleza na TV mas não tenho a menor dúvida que é um lindo passo em direção a isso. E um passo engraçado, também, e cheio, cheio de charme. "Glee" é o máximo.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

QUALQUER COISA QUE FUNCIONE PARA VOCÊ

Woody Allen está de volta, no seu melhor estilo. Com um texto afiado, brilhante e uma comédia ácida, mal-humorada, incrédula, irônica e sem nenhum pudor em ofender e chocar. "Whatever Works" (estranhamente nacionalizado como "Tudo pode dar certo") é um típico filme deste, que é um dos diretores mais controversos, polêmicos, amados e odiados do mundo. Larry David interpreta Boris (no papel central do gênio incompreendido e hipocondríaco), um físico indicado ao Nobel e que vive como um eremita em Nova York, dividindo seu tempo com um punhado de amigos intelectuais, aulas de xadrez para "crianças burras", música clássica e noites sem sexo. Um homem atormentado, que acorda de madrugada em pânico por causa "do horror", canta parabéns enquanto lava as mãos (é o tempo exato para matar os germes) e acha que deveria haver "acampamentos para diretores de cinema" e "campos de concentração para filhos". No centro desta vida segura - e tipicamente woodyalleana - surge Melody, interpretada deliciosamente por Rachel Evan Woods. Ela é uma caipira, do Mississipi, que fugiu do lar protestante em busca de liberdade na Grande Maçã. Por uma casualidade, ela acaba indo morar com Boris e vira a sua vida de ponta cabeça. Quando tudo parece, enfim, revirado, eis que surge a sua mãe, Marietta (Patricia Clarkson), que acabou de ser largada pelo marido e vem para encontrar sua filha em Nova York. Como um vírus, a grande metrópole também exerce um poder fasciante na mãe religiosa e protetora, que descobre talentos e desejos que nem ela conhecia. No meio desta metamorfose de vidas, quando ninguém mais esperava nada, aparece o pai de Melody, John (Ed Bagley Jr.), um homem do interior, durão e filiado à Associação Nacional de Armas, que se arrependeu de ter largado a mãe e vive uma profunda crise existencial. Reviravoltas, reviravoltas e mais reviravoltas, tudo temperado com um dos melhores textos de Woody Allen nos últimos tempos. Já está entre os meus preferidos e é, para mim, o sucessor espiritual de "Desconstruindo Harry", meu favorito até hoje. Como o título sugere, há um pessimismo instantâneo a respeito da sua visão sobre a vida. Mas neste pessimismo há espaço, também, para a celebração da vida, do amor, e de "qualquer coisa que funcione para você". Genial, original, hilário, surreal, histérico, absurdo, ofensivo, perfeito. Imperdível.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

UM FILME PARA SE VER DE OLHOS FECHADOS

"Bright Star" (Brilho de uma paixão) é um filme arrebatador e ao mesmo tempo delicado, comovente, poético e que beira o onírico. É um sonho na tela, ou melhor, é uma tela. Um quadro impressionista, sublime, perfeito. Dirigido por Jane Campion ("O Piano"), a história é um relato biográfico baseado no livro "Bright Star: Love Letters & Poems from John Keats to Fanny Brawne", uma compilação de cartas e poemas de amor escritos pelo poeta inglês John Keats e dedicados ao seu grande amor, Fanny. Os dois, portanto, são os protagonistas e interpretados belamente por Abbie Cornish (Fanny) e Ben Whishaw (Keats), que convencem na condução de um amor sofrido, desesperado e sufocado por uma época em que a paixão não era algo bem visto. Os dois não partilham o mesmo mundo - ele é um poeta romântico, ela uma aficcionada por moda - mas iniciam uma amizade que se converte em amor, tendo a poesia como um idioma.
É um filme. Mas poderia ser pendurado na parede.

O filme é marcado por uma produção brilhante. A fotografia e a diração de arte são de tirar o fôlego, onde cada aspecto em cena parece estudado, para compôr uma peça de arte, como se cada cena fosse um quadro a ser emoldurado. É uma direção feminina, delicadíssima e que transpira beleza. É tudo tão belo que muitos podem talvez nem se encantar tanto com a história (que pode parecer morna demais - mas não esqueçamos do contexto). Mas é impossível não ceder ao arrebatamento visual deste filme, que parece pintado, tecido, por mãos habilidosas e apaixonadas. E é impossível - seria um crime - não comentar a vocalização de "Serenade in B-Flat K 361 - Adagio", de Mozart, que abre os créditos iniciais e é de um tom sublime absolutamente inédito.

Esse é um filme para se ver de olhos fechados.

É a melhor, e a talvez a única forma de explicá-lo.