domingo, 26 de dezembro de 2010

SOFIA CONSEGUIU NOVAMENTE

Johnny Marco tem uma ferrari que ele gosta de rodar em círculos, como um carrinho de controle remoto. Johnny tem mulheres lindas ao seu redor, que se despem e dançam para o seu entretenimento. Johnny Marco tem o mundo aos seus pés, as luzes dos holofotes, a curiosidade da imprensa e milhões de dólares de sua carreira de ator bem sucedido de Hollywood. Como um príncipe, vive acastelado no clássico hotel Chateau Marmont, em Los Angeles, onde atravessa seus dias que correm de forma circular, como repetições, a base de whisky, remédios e falsas companhias. Johnny Marco tem tudo. E, ao mesmo tempo, não tem nada. O que Sofia Coppola quer nos dizer com esse seu novo filme? Onde ela quer chegar? Melancólico e agridoce, "Somewhere" (Um lugar qualquer) não é trágico como "As Virgens Suicidas", frenético como "Maria Antonieta", tampouco, comovente como "Encontros em Desencontros" mas, como tudo na obra de Coppola, carrega a sua marca registrada: a crônica minimalista e silenciosa de protagonistas solitários em busca do entendimento de suas próprias vidas.

Stephen Dorff vive Johnny, um ator beirando os 40 anos de idade, que se vê preso num universo solitário, vazio e sem rumo. Pobre menino rico, sem conseguir se envolver verdadeiramente com ninguém, Johnny caminha como um morto-vivo, entorpecido por remédios, álcool e pura melancolia. Falta de destino. Sem um lugar para ir. Mora num hotel, onde é um ilustre hóspede bajulado constantemente por homens e mulheres em busca de se aproveitar de sua fama e riqueza. Os seus dias são inexpressivos, superficiais, e ele parece correr as ruas de Los Angeles anestesiado. 

Tudo isso muda quando sua filha, Cleo (Elle Fanning), vem morar com ele. Sua ex-mulher vai viajar e deixa a filha sob seus cuidados. A chegada de Cleo é, justamente, um ponto de mutação e iluminação. O filme ganha novos contornos, ganha música, e descobrimos que, na companhia de sua filha, Johnny Marco encontra a melhor pessoa que poderia ter ao seu lado. Algo reconhecido num momento comovente do filme em que percebemos a breve - e fundamental - mudança que a menina de 11 anos fez na vida de seu pai que, aparentemente, já havia dado tudo por perdido. "Me desculpe por não estar por perto", ele confessa, abafado pelo barulho das hélices de um helicóptero.

A convivência com Cleo promove uma revolução silenciosa na vida de Johnny que, num momento final de catarse, se questiona seu papel no mundo e decide, enfim, sair de sua mimada letargia e fazer algo a respeito de sua vida. Ele se descobre feliz, completo, na companhia de sua filha. E a repentina saída dela escancara o vazio completo que ele somente parecia suspeitar. Enquanto Cleo estava por perto, Johnny redescobriu o sorriso, a paz de espírito; não bebeu, não se drogou. A solidão expõe as suas feridas abertas, que parecem pulsar enquanto ele resolve ligar, justamente, para a sua ex-mulher. "Eu não sou sequer uma pessoa", ele confessa.

Mas também a falta de sua filha ilumina Johnny com algumas certezas  tímidas. Ele percebe que ainda que não saiba qual seja o seu lugar, pelo menos não é mais trancafiado nas paredes daquele hotel impessoal. Johnny decide que é hora de rumar a algum lugar seu. "Somewhere".

A visita inesperada de sua filha, Cleo, transforma o mundo de Johnny Marco por completo. Mas onde Sofia Coppola quer chegar com "Somewhere"? 

Definitivamente, "Somewhere", ainda que irmão de alma de "Lost in Translation", não é tão imprescindível quanto o filme que deu à Sofia o Oscar de melhor roteiro original. "Somewhere" mostra uma nova cor, um novo traço de Sofia. Um lado mais maduro, sem dúvidas, mais árido, melancólico, certamente mais europeu que americano. Ela não abusa, jamais, de suas cenas, mantendo quase todo o filme em planos estáticos, com diálogos breves que dão lugar a metáforas e pouco uso de trilha sonora (algo que me causou certo estranhamento, já que é tradição em seus filmes a utilização de músicas emblemáticas para a construção de cenas e sequências).

O elenco, como sempre, é bem escolhido e Dorff e Fanning brilham juntos em grande sintonia, como se fossem realmente pai e filha ligados (e separados) pela falta de convivência. A ausência de Lance Accord (diretor de fotografia dos seus últimos 3 filmes) também não me passou despercebida. Senti falta, sem dúvidas, da iluminação poética e profunda de Accord que sempre enriqueceu os filmes de Sofia. 

Em hipótese alguma me permito sequer cogitar que "Somewhere" seja um filme ruim. Primeiro, pelo capricho mimado de fã. Segundo, porque fica evidente que o filme não é tão acessível quanto os últimos.  "Somewhere" é um filme que pede um pouco mais de paladar, um pouco mais de atenção, para que ele germine em nossas mentes. "Somewhere" não é um filme para ser visto. É um filme para ser REvisto.
"Um lugar qualquer", um filme sobre parenthood. Apenas isso. Ou tudo isso.

A grande discussão proposta por Sofia Coppola é a paternidade/maternidade, sem dúvidas, e também esse tema transita pela alienação e o limbo que Sofia sempre propõe em seus filmes. Pais "perdidos", filhos "perdidos". Não necessariamente. E aí entra Elle Fanning que brilha, como uma estrela doce e incandescente na tela. O nosso desejo imediato é de correr para ali, adotá-la, provê-la com carinho, atenção e curiosidade para suas histórias e atividades. Numa cena de profunda comoção vemos esta menina absolutamente rara, especial e encantadora engolindo um choro tão sentido porque sua mãe não disse quando voltaria e seu pai viaja o tempo inteiro. Um choro angustiado, de solidão antecipada. É uma das cenas mais comoventes do filme e que, como o próprio filme, pode ser partida em muitas camadas de reflexão. "Pais sejam bons para as suas filhas", poderia dizer John Mayer com a sua emblemática canção "Daughters"; "mães sejam boas para as suas filhas também". É a mais pura verdade.

Johnny descobre que precisa encontrar um lugar seu. Um destino. Um lugar qualquer.

"Somewhere", filme sobre o qual nutri tantas expectativas, surge, para mim, como um filme que mostra um pouco mais de Sofia Coppola como diretora, mulher e mãe. Seu filme, centrado na reflexão da responsabilidade de pais sobre os seus filhos, talvez seja um ato muito pessoal de Sofia sobre a sua própria maternidade recente. 

Este não é um filme sobre garotas adolescentes, sobre paixões inesperadas numa cidade improvável ou delírios de uma rainha infantil. É um exercício de arte sobre quem somos nós, primeiramente diante de nossas vidas, e, naturalmente, diante das vidas daqueles que trazemos ao mundo. O compromisso. A ideia de que esse é um contrato para sempre, imutável, sem espaço para negociação. E, possivelmente, o melhor contrato já concebido. "Os filhos são as melhores pessoas que você conhecerá", diz Bob à Charlotte, em "Lost in Translation". E, justamente sob esse prisma, "Somewhere" é um triunfo. E assim sorrio, diante dos créditos finais, com a certeza inquestionável de que Sofia conseguiu novamente.

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