sexta-feira, 25 de março de 2011

O CASO DO ASSASSINO DE ANJOS

"Eu sou o anjo caído.
Eu sou luz.

Meu Deus, eu fiz novamente".

* * *

Luis não se considerava o homem mais corajoso do mundo, tampouco se achava covarde. Não era bonito, nem viril, nem o mais forte, mas também não era dos piores. Pelo menos, nenhuma de suas namoradas eventuais havia reclamado. Era um sujeito mediano, sossegado, meio desimportante, destes que não chamam muita atenção.

Meio invisível, achava, o que para ele era uma excelente qualidade de detetive. Entrou para a polícia por conta de suas próprias cicatrizes emocionais. Órfão de pai e mãe, viu sua família ser brutalmente assassinada quando não tinha nem 6 anos de idade. Numa madrugada qualquer, seus pais e irmãos foram mortos e apenas ele sobreviveu. Buscava, assim, entre os policiais, uma família postiça e um meio para resolver esses fantasmas que atormentavam o seu sono.

Não era o melhor policial, claro, mas isso também não o impedia de resolver alguns casos e assuntos importantes. De todos eles, porém, Luís se sentia impelido em resolver o famoso "caso do Assassino dos Anjos". Conhecido, nos bastidores da polícia, como um caso sem solução.

O Assassino dos Anjos não deixava bons rastros e não se permitia classificar. Matava homens e mulheres, jovens e velhos, sem um padrão muito detalhado. A única coisa que permitia ligar os crimes era a maneira como os corpos eram encontrados. Nus, deitados de bruços e enterrados em covas rasas. Em suas costas, asas rústicas desenhadas com o sangue das próprias vítimas. Nenhuma outra violência era cometida, a não ser por uma longa perfuração no peito, feita sem muito critério com algum objeto não cortante, como uma chave-de-fenda, possivelmente.

Era a única repetição do assassino. Pessoas desaparecidas que eram encontradas dias depois, semi-enterradas e com suas asas vermelhas mal desenhadas. O sangue, já seco, ganhava contornos cor de vinho, como tatuagens pré-históricas. Jovens corretores, enfermeiras idosas, crianças em idade escolar. Ao mínimo sinal de desaparecimento, a polícia já se mobilizava para encontrar um anjo antes que fosse tarde demais.

Ninguém conseguia entender as motivações por trás daqueles crimes. E Luís tampouco. Debruçava-se, horas a fio, sobre fotos, notícias e dossiês, tentando ler as entrelinhas daquela série de crimes que se sobrepunham num infinito de informações cifradas, como um labirinto. Café esfriando sobre a mesa, olhos vermelhos de cansaço contemplando costas nuas, gordas, magras, definidas. Costas de velhos e de modelos. Pobres almas unidas pela sina de se tornarem os anjos de sangue do assassino que aterrorizava a cidade havia meses.

Solitário, Luís voltava todas as noites para o seu obscuro apartamento, sempre com um vazio no peito. O vazio de não cumprir seu dever. O vazio de não ter ninguém para retornar. Não havia se casado, não tinha família. Não conseguia criar laços, acreditava. Não tinha "jeito com pessoas".

Caminhava, a passos lentos; a calçada mal iluminada e inundada por aquela penumbra da madrugada que parece esconder todo o tipo de perigo. Um silêncio esquisito, interrompido por alguns barulhos distantes, como gatos revirando latas de lixo. Um vento cortante, invadindo seu corpo por baixo do casaco pesado. Chuva fina.

Um barulho chama a atenção de Luís num beco, adiante. Um homem encostado na parede, fumando, olhos escondidos sob uma cortina gris. Os dois se olham por longos segundos até que o estranho oferece um cigarro a Luís. "Maldita madrugada fria". Não suportava cigarros, mas Luís aceita a gentileza. As mãos de ambos se tocam durante um breve instante, onde dedos incompetentes tentam fazer a chama do isqueiro sobreviver ao vento e à chuva.

Um vento quente invadindo boca, pescoço, pulmão, narinas. Uma sensação estranha, amarga e saborosa.

Naquela noite, Luís chegou em casa exausto, cansado demais até para um banho. Respirava pesadamente, como se tivesse subido pelas escadas. Olhou-se no espelho do banheiro, tocando seu rosto pálido com as mãos vermelhas e sujas de terra. E, balbuciando qualquer coisa inaudível até para si mesmo, apagou a luz para dormir.

"Meu Deus, eu fiz novamente".

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