sexta-feira, 10 de junho de 2011

ALICE E A GRAVIDADE

Desde criança, Alice nunca gostou muito da gravidade. Era uma menina estranha, todos sabiam, dada a abraçar árvores e a questionar o inquestionável. Não por acaso, dizia querer ser astronauta quando crescesse. Não como todas crianças dizem. Alice realmente não entendia a gravidade. Porque sentia, desde muito pequena, que seu corpo não era puxado para a terra, mas empurrado para longe dela. Alice não se sentia muito deste mundo, na verdade.

Por obrigação, pela necessidade de aceitar os fatos, Alice fingia respeitar a gravidade. Mas isso se limitava ao contexto escolar e a discussões em que era preciso aceitar o conceito de Newton para evitar ser considerada louca. Mas era só fingimento. A gravidade não servia para Alice. E, no fim das contas, ela pouco se importava que achassem que ela era louca. Até gostava disso.

O dia mais triste de toda a existência de Alice foi quando ela soube que seu pai havia morrido. "A gravidade é assim. Ela puxa os homens bons para ela", chorou em silêncio, com mais um de seus "pensamentos de Alice" que ninguém conseguia ou tentava compreender. "A gravidade procura os homens de bem, como uma sereia".

Naquele mesmo dia, porém, como todos os loucos eventos na vida de Alice, ela descobriu estar grávida. E se viu então dividida entre a gravidade e a gravidez. E concluiu, em mais um "raciocínio de Alice", que a primeira havia puxado seu pai e a segunda atraído o seu filho. E decidiu que o segundo teria o nome do primeiro. Como numa trégua.

Mas o armistício durou pouco e Alice se viu novamente em conflito com a gravidade. Teria seu filho no espaço, se fosse possível. Para que ela nunca o achasse e ele vivesse escondido, a salvo, como o príncipe pequenino de Saint-Exupéry. Isolado, tranquilo, senhor de seu planeta, longe da gravidade que só servia para separar Alice das pessoas que amava. Mas mesmo Alice sabia que isso não era possível. E ela se pegava sorrindo, saboreando seu devaneio inocente, com a mão descansada sobre a imensa barriga que surgia sob seu vestido, como um monte.

Mas a paz entre Alice a gravidade chegaria de forma inusitada. Num voo de Roma, indo para a casa de seus pais, Alice entrou em trabalho de parto, minutos antes de o avião pousar. Chorou radiante, aquele choro de grávida meio sem explicação, porque havia compreendido, então, que "logo ela, a gravidade, é quem iria apresentá-la a seu filho".

Sorriu, olhando nos olhos semi-cerrados de seu filho em seu colo. Ele dormia. E os dois estavam felizes.

Era uma manhã ensolarada, preguiçosa, aquela que se projetava dentro do quarto de hospital onde Alice e seu filho repousavam. Uma destas manhãs que parecem perdidas no tempo.

A manhã em que a Alice e a gravidade fizeram as pazes.

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