domingo, 7 de agosto de 2011

O ARTISTA E A ILHA

No topo do morro, ao centro da ilha onde vivia, ele contemplou as estrelas numa noite de muita inspiração. O mar dançava, sem pressa, sobre a areia, entoando aquela melodia antiga e hipnótica que estimula o corpo a dormir. Ali, sob as estrelas, aquecido diante de uma pequenina fogueira, ele terminou o poema mais bonito já escrito pelo homem. As palavras, costuradas com maestria, pareciam formar um portal para um tempo mágico, para onde era impossível ir sem encher os olhos de lágrimas. E, assim, com os olhos encharcados, ele encerrou seu poema. Incrédulo com tamanha beleza. Adormeceu.

A vida era calma, naquela ilha sem nome, onde ele dividia as horas entre plantas, pequenas correntes de água doce, mangas, cocos e pássaros multicoloridos. Nunca havia visto um vestígio de qualquer expressão humana, e na verdade, já nem lembrava como havia parado ali. O esqueleto de uma velha embarcação, semi-enterrada na areia, e que servia como sua morada, oferecia algumas pistas. As flâmulas rasgadas que haviam sobrevivido, presas ao mastro de madeira morta, despertavam alguma familiaridade em seus olhos enrugados de náufrago.

Ele também gostava de desenhar. Usava pedaços de carvão, seiva de árvores, barro e elaborava painéis espalhados pela ilha como um museu a céu aberto. Num dia qualquer, porém, teve uma revelação. E correu a passos frenéticos para o grande paredão, numa clareira, para conjurar sua obra-prima. Ele sabia que aquela pedra era especial e só poderia ser usada para a pintura mais linda já feita pelas mãos do homem. Com movimentos rápidos e precisos, teceu traços, linhas, formas. Vermelhos, amarelos, azuis, verdes. Como mágica, surgiam paisagens e personagens que fariam Michelângelo enrubescer de vergonha. Nada, absolutamente nada na criação artística humana, seria capaz de se igualar a tamanha beleza estampada na grande pedra que se projetava no canto leste da ilha, como um prédio. Absorto, quase em transe, ele contemplou por horas a sua obra-prima. Comovido com sua própria superação.

Suas mãos, habilidosas, o ajudavam a construir um futuro naquela ilha solitária. Fabricava ferramentas, tecidos, instrumentos de sobrevivência variados e que o ajudavam a passar o tempo. Assim ele também improvisou uma flauta pequenina, que dedilhava com natural habilidade, engatilhando melodias e sons que se misturavam aos sons da floresta como se desde sempre estivessem entre os segredos daquelas matas. Imitava os pássaros, o barulho do vento e do mar. E sentado sob a sombra das árvores criava canções que pareciam narrar, num idioma estrangeiro, os acontecimentos de sua vida. Até que, após tantos anos de prática, ele se pegou soprando uma equação de notas que pareciam sair daquela flauta improvisada como se fossem a voz de Deus. E, novamente com lágrimas nos olhos, ele se enamorava daquele som que tomava seus ouvidos com uma força que parecia entorpecê-lo. Era aquela, sem dúvida, a mais linda melodia já composta pelo homem.

Sua arte, por fim, era a grande motivação para vencer os dias. Supreender-se, continuamente, com o que suas mãos eram capazes de gerar. As mais lindas canções, poesias e pinturas, que faziam daquela ilha abandonada o reduto mais puro e valioso da arte humana.

Até que ele percebeu que nada, absolutamente nada, entre tudo o que havia feito existia. A não ser ali, a não ser para os seus olhos e ouvidos solitários. Aquela arte era sua, somente. Ninguém jamais saberia da existência.

Ele não suportou o peso daquela revelação. E então, do alto da grande pedra, no canto leste da ilha, ele saltou para o infinito, como um pássaro, despencando rapidamente como um fruto maduro, que cai sozinho na mata, sem a percepção de ninguém. Um fruto, portanto, que jamais terá caído.

Como aquela arte. Que jamais terá existido.

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