quinta-feira, 22 de março de 2012

CAROLINA

Ele era um desses homens de meia-idade. Bonito, bem sucedido, solteiro, com tempo e dinheiro suficientes para se manter jovem e vencer o tempo de forma mais competente que muitos homens de sua idade. Não era necessariamente vaidoso; gostava de coisas boas, tinha gostos refinados que se estampavam nos relógios, sapatos, camisas e calças bem cortadas. Perfumes discretos, carros esportivos, o apartamento dos sonhos de qualquer homem sem compromisso. Apreciava bons vinhos, restaurantes caros, mulheres bonitas que preenchiam suas noites mais solitárias de forma descartável. Em poucas palavras, vivia uma vida perfeita, com sabor de champagne e charutos.

Mas havia algo. Um algo sem nome. Algo que... faltava. Durante inúmeras noites ele se pegava diante da grande janela da sala, observando as luzes da cidade gradualmente se apagando diante dos seus olhos. Aquelas janelas desaparecendo na noite. Pessoas indo dormir, enquanto ele não sabia o que fazer com seus pensamentos sem batismo. Olhava as ruas desertas, aqueles sons urbanos, abafados, que só são ouvidos nas madrugadas. Aquela mistura estranha de motor distante, gatos, cachorros e recém-nascidos. E aquela película de silêncio envolvendo tudo numa sinfonia que só os insones conhecem.

Era feliz. Muito. E realizado. Olhava-se no espelho, todas as manhãs. O corpo ainda rígido, os cabelos grisalhos bem cortados, a pele levemente bronzeada. O tempo havia sido generoso com ele. Ele, o charmoso príncipe sedutor, colecionador de centenas de mulheres sem nome nem sobrenome. Nunca havia se casado, não tinha filhos, nem irmãos, nem pais. Era só. Realmente só. Mas não sabia, exatamente, se isso era a fonte das suas angústias. Tergiversava com a sua analista, todas as semanas, quando ela ameaçava avançar pelas zonas desmilitarizadas do seu inconsciente. "Isso é uma bobagem, doutora".

Apreciava hobbies e passatempos caros, que compartilhava com um punhado de amigos que permitia entrarem em sua vida. Mas se intrigava com aquelas amizades. Não deveria ter nenhum amigo que conhecesse há mais de um ano. Era tudo sempre tão novo, tão recente, tão fresco. Como se os fatos não aderissem à sua história. Não permanecessem. Como um lindo álbum de fotografias, destes encadernados em couro de porco e letras douradas, mas sem foto alguma dentro. De fato, não havia nenhum porta-retrato em sua casa. Tinha fotos dos seus pais, de sua juventude, algumas namoradas e viagens, mas deixava tudo guardado numa caixa no armário que revirava, vez ou outra, num porre mais nostálgico e melancólico acompanhado de música clássica e umas lágrimas inocentes. Nada que durasse mais que um punhado de horas, porém. Na manhã seguinte, o sol nascia de novo, ele era um outro homem.

Apenas o vazio continuava.

No seu aniversário de 50 anos decidiu embarcar sozinho num cruzeiro. E não necessariamente por opção; não havia a quem convidar era a verdade que ele se esforçava em não enxergar. Deliciava-se com aquela celebração da sua vida, porém. Achava, pelo menos. Fazia-se acreditar, naquela sucessão de drinks exóticos à beira da piscina, observando as mulheres desfilando em trajes de banho e tomando sol de olhos fechados enquanto o barulho hipnótico do mar por todos os lados o fazia quase levitar. Adormecia.

Numa noite, percebeu que uma mulher o observava, de longe. Sozinha, numa mesa do outro lado do salão, ela o olhava insistentemente. Era jovem - jovem demais, pensava - mas isso não o impedia de se lisonjear. "Quantos anos teria? Talvez nem 20". Uma linda moça, de feições delicadas, pele branca, cabelos castanhos avermelhados curtos e desgrenhados, e aqueles olhos penetrantes que pareciam desnudá-lo na frente de todos. Ela o encarava com uma mistura de presa e caçadora em seu semblante sério. Mas o mais estranho de tudo é que ele a achava absurdamente familiar. Haveria estado com aquela mulher, antes?

Não, era impossível. Ele não gostava de fazer o tipo coroa jovial que seduz mocinhas. Achava isso patético. Gostava das mulheres que beiravam a sua idade. Simplesmente porque não tinha paciência para as banalidades das jovens. Atraía-se pela experiência. Pelas mulheres que comunicavam aquela seriedade que só a passagem dos anos ensinam aos olhos. Era dessas mulheres que ele gostava.

Mas era desconcertante. Até para ele. Aquela linda moça que o observava a todo o tempo. Sentia-se um alvo, onde estivesse. Não havia lugar naquele navio em que, após alguns minutos, ele não se visse observado pela jovem misteriosa que sempre o encarava de longe. Já não se sentia mais lisonjeado. Começou a sentir medo.

Até que chegou o dia de aportarem de volta. Aquele caos saboroso, em todos os cantos. Sentado no bar, ele via a linha azul cortando as janelas à sua frente. Então sentiu uma presença em suas costas. Antes mesmo de se virar ele sabia que era ela. Não chegou a abrir a boca. Ela já havia estendido a mão para ele e tomado as rédeas da situação. E, com um punhado de palavras quase sussurradas, disse sem cerimônia:

"Prazer. Eu sou sua filha".

O choque inicial rapidamente se converteu num caleidoscópio de lembranças confusas, distantes. Sim, ele conhecia aquela moça. Ela era igual a sua mãe. "Como ela está?", perguntou com curiosidade sincera. Como estaria aquela ex-namorada, distante, esquecida? Descobriu que ela havia morrido há anos e que um acaso permitiu que a menina o encontrasse. Uma carta, um endereço, uma fotografia. Ele era mais jovem, de fato, mas havia mudado muito pouco.

E então ele tomou conhecimento das dificuldades que calçaram os caminhos daquela moça até aquele dia. Aquela menina linda, hipnotizante feito uma ninfa, em que gradualmente ele via tanto de si, refletido ali, diante dos seus olhos incrédulos e de sua boca que, apenas após alguns minutos, ele percebeu que estava aberta, perplexa. Alguns trejeitos, a forma como articulava os pensamentos, sempre de maneira muito prática. Sim, aquela menina era sua filha.

Ele queria abraçá-la. Desesperadamente. Dar o mundo a ela. Entregar aquela vida a ela. A busca do tempo perdido. E se surpreendeu quando percebeu que ela não pedia nada. Não queria nada. Em verdade, já estava pronta para seguir o seu caminho de volta, de menina independente, sem endereço fixo. Ela só queria conhecê-lo. Enfim, conhecê-lo. Aquele homem que nada mais era que uma fotografia, um nome e um endereço. E que sua mãe jamais havia esquecido.

Ele só não sabia como agir.

Segurou-a pela mão, em silêncio. Aquelas lágrimas sem nome, nem origem, nem explicação chovendo nos seus cantos de olhos, supreendento-o imensamente. E então abraçou-a com ternura, por longos minutos em que ele, não ela, buscou um ombro onde poderia depositar o peso do mundo que habitava os seus pensamentos. Soluçava um pranto inesperado, no colo de sua filha. Da sua filha.

Era a coisa mais simples do mundo, afinal.

Ele tinha uma família, agora.

Um comentário:

Mário Duarte disse...

talvez se não com certeza a sua mais bela estoria.