quinta-feira, 19 de abril de 2012

BLAME IT ON BUENOS AIRES

Olharam-se de longe, por momentos breves. Então se aproximaram, vagarosamente, rostos quase se tocando. Mãos e pernas inicialmente desajeitadas. Sem direção, sem papeis definidos. Os dançarinos.

Gradualmente, envolveram-se numa guerra física em que hora agarravam-se apaixonadamente, hora afastavam-se como se desejassem ficar indiferentes um ao outro. Aquela dança de beleza e caos. Aquele tempo fora do tempo, aquele mundo secreto.

Pernas entrelaçadas, dedos curiosos, carinhosos, olhares que gritavam desafios, confidências, segredos. Dançaram por horas, até a exaustão; os cabelos ensopados de suor, a respiração ofegante, e dois corpos que pareciam não querer trégua. Travavam sob os ares de Buenos Aires uma guerra sem fim, rompido um antigo armistício.

Aquele vazio convertido em eloquência, feito alquimia. Blame it on Buenos Aires. Procuravam-se, afastavam-se, aquela sedução meio infantil, de quem brinca com o objeto do desejo. Ou como se aproveitassem algo que fosse durar para sempre. Ou desaparecer como mágica diante dos seus olhos.

Aqueles reis sem reino.

Os dançarinos se entregaram sem medo após algum silêncio educado. Um silêncio elegante. E então destruiram o silêncio com o barulho da cadência dos seus passos, seus corpos, aquele calor, como se causassem combustão juntos. Aquela dança incendiária.

A cidade parecia sorrir para os dois. Aquela ciudad vieja, um personagem mágico que fazia daquela dança um triângulo amoroso.

Abraçados, olhavam-se, sem pressa, como se tivessem todo o tempo do mundo, como se não dançassem sob o martelo das horas que devoravam o relógio com voracidade; aquelas 24 horas, aquela contagem regreessiva, aqueles instantes mágicos, fugazes, saboreados feito vinho; passageiros como a água que corta o Puerto Madero.

Porque eles tinham todo o tempo do mundo e tempo algum. Tudo e nada. Tinham a si mesmos, tinham aquela dança sem fim, tinham seus corpos exaustos, enamorados como se seguissem orientações de Pablo Neruda.

Precisavam se devorar naquela dança. Não poderia haver meio termo. Não seria justo. Era a maneira que tinham de testar-se para constatar que podiam ser um corpo só naquele xadrez de mãos e pés inquietos; daquelas bocas que não queriam perder tempo com palavras; aquelas bocas que eram apenas saliva, apenas língua, apenas promessas flutuantes, seladas sob a névoa da respiração ofegante, do compasso dos dois corpos, que se movimentavam juntos, feito barcos ganhando o oceano. 

Então tocaram-se uma última vez. Beijos tímidos, últimos olhares espremidos na soleira da porta, o dia nascendo preguiçoso na janela, aquelas largas avenidas, cheias de luzes e silêncios. Despediram-se, amantes oponentes, sem vitória nem derrota, aquele empate escrito com a marca dos seus corpos nos lençois desfeitos, ainda mornos.

Porque haviam fragmentado aquelas horas e transformado-as em anos.

E assim disseram adeus, sem saber quando se veriam novamente. Com paixão, com saudade, com desejo. E com olhos de carinho e pecado.

Como se dança o tango.

Um comentário:

Anônimo disse...

Essa música aqui faz parte da trilha sonora da minha vida.

Acho essa edição em particular muito sensual, assim como esse teu texto.

http://www.youtube.com/watch?v=ic4PQ-tnwJw&feature=related