quinta-feira, 26 de abril de 2012

MOÇA DE VESTIDO VERDE

Acordei com vontade de escrever na primeira pessoa, dosando eufemismos como alquimia, medindo com cuidado o peso das minhas letras. Desenhando cada uma sob medida para você, feito alfaiate. Acordei meio poeta. Cheio de palavras para você que me pede palavras, como quem pede frutas, como se eu pudesse fabricá-las. Eu, um ourives de inspirações.

Porque esta noite você veio me visitar em meus sonhos.

Você me pedia, sem cerimônia, o mundo. Meu mundo. Eu sorria da sua exigência. Como assim, te entregar meu mundo? Inocente, você parece esquecer que há tanto tempo ele é seu. Você tocava o meu rosto e sussurrava algo em meu ouvido. Algo que ainda agora tento lembrar. As palavras se diluiram no ar. Ficou o arrepio, ficou o cheiro, ficaram os seus lábios roçando o meu pescoço.

Decidíamos sentar sob o sol, juntos, feito namorados. Você com seu vestido de verão, seu vestido verde, e eu desejando ser artista naquele momento e de alguma forma te eternizar além apenas da minha retina. Mas não havia nada em minhas mãos, salvo meus dedos, para te transformar em arte.

Faltaram palavras, sobraram suspiros. Cego, cada pedaço do meu corpo gritava para que eu te descobrisse pelo tato. Tocar seu rosto, seu corpo, sua boca; me envolver nos seus cabelos, no sabor da sua pele, transformar seu vestido na bandeira do nosso país. Ali, orgulhosa, dançando no vento.

Um rio passava não longe de nós. Aquelas árvores, aquelas flores, nós eramos aquarela. Pela brevidade daqueles instantes nós éramos aquarela. Passageiros, flutuantes, feito a água que rugia ali perto. Caminhamos, as mãos desejosas de se encontrarem, esbarrando-se de forma premeditada.

Nós, querendo apenas nos pertencer. Cometendo o crime de nos pertencer.

Livrei os seus pés das sandálias azuis que os envolviam. Você me libertou das minhas roupas de serviço, algo de casaca, algo de soldado. Libertamos os pés, mergulhando-os na água corrente, fria, rindo feito duas crianças. Sentados, um ao lado do outro, decidimos apreciar o silêncio. O silêncio do vento, o silêncio da sombra. Eu arriscava uma palavra, você me calava, dois dedos delicadamente posicionados sobre a minha boca. Eu te beijava as pontas dos dedos, você recuava, fazendo pirraça.

Eu olhava sua silhueta, recortada no sol que se deitava no horizonte. Percebia contornos, curvas, imaginava suas ruas, avenidas, morros e montanhas, ávido por uma meticulosa exploração. O seu cabelo dançando, sem muita ordem, o seu pescoço nu, revelado. Você olhando para longe, investigando.

E então você olhou para mim. Seu olhar penetrante, cortante, pequenino, profundo, que me desnuda por completo; que me tira a patente, que me desarma. Feito musa, feito ninfa, fico ali petrificado, maquinando o que te dizer e sem conseguir dizer nada, apenas o silêncio da minha boca entreaberta que não deseja outra coisa além de encostar na sua. Aquelas duas bocas, ávidas, distantes, atraindo-se de maneira incontrolável.

Você me conta segredos. Eu te conto segredos. E naquele parlamento de intimidades nos aproximamos, não os corpos, que já são como um, ali, pés enfiados no rio. Mas as almas, que parecem se misturar, cunhando-se feito moeda.

Há algo de sonho dentro do sonho. Eu te olho sem ter certeza que é você ali. Você segura a minha mão, com força, me fazendo acreditar. Você sabe que eu quero te segurar pelo pulso e te erguer, te puxar contra meu corpo, te cingir com meus braços, te fazer satélite definitivo. Você, gravitando ao meu redor, tão atraente. Meu satélite que quero atirar ao chão, jogando meu corpo órfão sobre você, cheio de sofreguidão; tudo é calor e choque e nenhuma palavra. Um estranhíssimo balé, provavelmente surdo, cego e cheio de exclamações, gemidos, suspiros, aspirações, desejos.

Você me olha, senhora de mim. Neste sonho sou seu brinquedo, moça de vestido verde. Seu brinquedo, seu patrimônio sem valor, seu refém.

Você me segura pela nuca, eu posiciono minhas mãos ao redor da sua cintura. Há algo ali, aquele "nós cheio de nós" que parece parar o tempo. Somos explosão, colisão, combustão. Somos o chão ao nosso redor, a grama que suja nossa roupa, somos o barulho da nossa respiração ofegante, somos o cheiro, os sabores dos nossos corpos que se descobrem, curiosos. Somos um algo sem nome, sem batismo. Somos uma guerra, um movimento, somos meio música, meio eternos, meio heróis, meio bandidos.

E então somos o suor que pende pesado na pele. Somos o cansaço.

Somos saudade.

Somos o meu sonho desperto, imaginando a noite em que você me visitará novamente.

Um comentário:

Anônimo disse...

texto sensual. e ainda dizem que as palavras nao sao afrodisiacas...