sábado, 19 de maio de 2012

"LOST IN TRANSLATION"

Encontraram-se de forma meio inesperada. Esbarraram-se é o termo mais adequado. A bebida que quase molha a roupa, os corpos se readequando, os pedidos de desculpas realmente sinceros. Toques desajeitados, risos deslocados. Os olhos que se encontram, meio sem querer, e interrompem-se, descobrem-se no caminho. Os sons, as luzes, aquele caleidoscópio de informações caóticas como cenário.

Os dois se olharam, por alguns segundos breves, naquele tempo fora do tempo, em que a música alta aos seus ouvidos parecia abafá-los num silêncio meio metafísico. Naqueles instantes, havia apenas eles, ali, cercados pela multidão de sorrisos e corpos dançantes. Permaneceram anônimos. Parecia apropriado. De que adiantam nomes que os ouvidos não conseguem compreender de qualquer forma? Conversaram coisas absurdas, destas em que perguntamos as horas e ouvimos "ontem" como resposta. E isso não foi um empecilho. Para nada. Riam, riam muito, provavelmente de coisas diferentes.

Ele gostou da camiseta dela. Uma camiseta amarela, desconcertantemente justa, com uma frase que dizia tudo. Ou pelo menos tudo que ele precisava saber. Ela sorriu quando o pegou olhando para sua blusa como se ele estivesse olhando para outra coisa.

Ela parecia gostar do cabelo dele, ocasionalmente mexendo nos fios com as pontas dos dedos, brincando de crochê. O calor que deixava-os levemente suados, a necessidade de gritar ao pé do ouvido, aquela corte, aquela eletricidade desajeitada.

Antes que percebessem, viraram dois pares de olhos fechados. Viraram mãos se entrelaçando sobre o jeans das suas calças, viraram mãos procurando cinturas, viraram bocas se descobrindo com curiosidade. Aquela dança discreta, sustentada contra uma parede trêmula, embalada pelo martelo das notas e do silêncio que eles haviam fundado ali, na multidão.

Ele percebeu uma curiosa mancha vermelha, saltando pouco acima da sua cintura. A folha da bandeira do Canadá, tatuada de uma forma muito sensual, como uma marca de nascimento, quase ilha ao seu umbigo em forma de gota. "Longa história", ela disse, misteriosa. Ele não tinha tatuagens para mostrar, o assunto ficaria para depois. Tocou a folha, acariciando-a com a ponta dos dedos, querendo tocá-la com a ponta dos lábios. Ficaria para depois.

Viraram então um um longo abraço, uma dança romântica, alheia ao movimento acelerado da música; carinhos cuidadosos no rosto, na nuca ensopada pelo calor; suas mãos ao redor da linha da cintura dela, os braços dela ao redor do seu pescoço. Um encaixe tão inesperado quanto a colisão dos seus corpos horas antes. Um encaixe que funcionava, aquelas pernas entre pernas, peso e contra-peso. Brincando de namorar. Viraram olhos falantes, tão hábeis quanto as bocas. Viraram a passagem do tempo. Aquelas horas breves em que já não importava tanto o contexto, a história, o futuro.

Eles eram aquelas horas anônimas. Até virarem um casual desencontro, costurado por sorrisos, por toques despretensiosos e gentilezas. Até quase virarem um número, um nome, uma rede social.

Até virarem uma despedida nunca oficializada. Desaparecendo, feito mágica. Existiram? Até virarem o dia seguinte, colorido por sorrisos saudosos, destes que embalam os sonhos e nos dão a certeza que vivemos uma noite inesquecível.

Melhor assim. É o que constitui a matéria do que dura para sempre.

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