sábado, 5 de maio de 2012

O HÓSPEDE

A porta do quarto se abriu, com um chiado lento e fantasmagórico, extremamente apropriado, como numa mansão, num filme de fantasma. Ela, que sempre teve um sono leve, um sono angustiado, de quem não consegue depositar a cabeça sobre o travesseiro com a devida paz dos justos, abriu os olhos em mórbida curiosidade. A porta, entreaberta, denunciava um movimento estranho no fiapo de luz que se projetava entre o quarto e o corredor.

Estava sozinha. Sentiu medo.

O silêncio havia sido imediatamente substituído pelos batimentos acelerados do seu coração, que cavalgava dentro do seu peito, fazendo sua cabeça, seu corpo inteiro reverberarem. Seu corpo pulsava no compasso daquele batimento amedrontado.

E então ela viu algo. Um par de olhos, amarelos, imóveis, observando-a da pequena abertura, como dois faróis gastos. Dois olhos cor de mostarda, dois olhos absurdos, que a fitavam do escuro, sem piscar.

Num movimento quase automático, cobriu seu corpo com o lençol. Como se houvesse algo de mágico naquele tecido, como se ele pudesse protegê-la de alguma maneira. Como se ela estivesse invisível. E tentou se convencer que aquilo era apenas uma alucinação. Uma imagem fabricada pela distorção dos seus pensamentos. Seus pesadelos químicos.

Não era.

Uma mão projetou-se das sombras, arrastando a porta sem pressa. Uma mão branca, azulada, uma mão de dedos compridos e finos, feito velas, que começavam a tatear o contorno da porta, da parede, como uma aranha albina.

Aquelas unhas compridas, em tons marmóreos, como a mão de um morto. E ela percebeu que estava diante de algo terrível. Como se a maldade estivesse ali, encarnada, diante dos seus olhos úmidos.

A mão então abriu espaço para um vulto. Um vulto sem forma, uma sombra que se movia, flutuante, projetando-se pelo quarto inteiro como se tivesse tentáculos.

Ela cobriu seu corpo inteiro, buscando orações no fundo da sua mente; como se essas meditações, tão negligenciadas no passado, pudessem salvá-la de alguma forma naquele momento de aflição. Buscava aquelas frases de poder, aquelas afirmações, costurando as expressões de que se lembrava numa oração desconexa, incoerente, que definitivamente não a aproximava de Deus.

Era em vão.

Lamentava, em silêncio, todos os seus erros, todos os seus pecados, toda a maldade que havia trazido ao mundo. Estava sendo punida, sabia, e arrependia-se como uma criança que lamenta, anos depois, as inocentes torturas da infância. 

Sentiu os dedos gelados percorrendo o pano sobre o seu corpo; ásperos, como se tivessem espinhos. As unhas arranhando superficialmente suas pernas, cintura, braços. Sentiu os dedos ao redor do seu pescoço, em leve conscrição. E então aquele rosto se projetou diante dos seus olhos. Aquele rosto terrível, aquele olhar, aquela expressão para a qual ela não conseguia encontrar descrições. Aquele horror sem nome, nem identidade.

Gritou para que aquela criatura desaparecesse, sumisse. Ao que ele respondeu, saboreando cada palavra, estalando a língua entre os dentes ainda mais amarelos que os seus olhos.

"Eu não irei embora nunca mais".

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