sábado, 30 de junho de 2012

segunda-feira, 25 de junho de 2012

PARA VER E OUVIR: BROOKE FRASER ("THE THIEF")


Mais uma linda declaração de amor de Brooke Fraser. Uma canção que parece derreter ao ouvido... 

"Seus olhos estão transbordam o nosso futuro, 
o ar se transforma enquanto você me olha de maneira intrigante; 
como se eu te conhecesse antes de nos falarmos; 
será que nossos corações sabem algo que nós desconhecemos? 
Conspirando, convergindo, por vontade própria 
[...]
Você me devasta
Com segredos e gestos e jeitos
Com sonetos de segunda-mão
Tocando acordes em mim que ninguém jamais acertou tocar
[...]
Ao invés de me esperar estar disponível
Você invade, você invade
Você invade o meu coração
E eu deixo".

AMAR, VIVER, MORRER

"Restless" (Inquietos), de Gus van Sant ("Gênio Indomável"), definitivamente não é um daqueles filmes marcantes ou especiais por qualquer razão. Não mudará a vida de ninguém. É, em verdade, apenas um relato breve, silencioso, delicado, sobre o amor de dois jovens que descobrem uma inesperada paixão em meio ao entendimento da vida e da morte. E, sob essa perspectiva, este filme, que é praticamente sussurrado na tela, merece atenção.

Na trama, Annabel (Mia Wasikowska) é uma menina doce, sonhadora, naturalista apaixonada por Charles Darwin. Ela então conhece Enoch (Henry Hopper), um rapaz melancólico, de certa forma gótico, que tem o hábito de frequentar funerais. Enoch, que sabemos sofrer com alguns traumas em seu passado, tem como único amigo o fantasma de um piloto de combate japonês, Hiroshi, com quem passa os seus dias.
Uma linda, melancólica e inesperada história de amor

Anabel, que é apaixonada por tudo que é vivo, está morrendo aos poucos por conta de uma doença que não regride. Enoch, que flerta com tudo que é fúnebre, decide ensiná-la a "se preparar". E, no coração desta amizade estranha, surge um doce amor, que une os dois ao redor do desejo desesperado que aquilo que é tão precioso para eles não se acabe.

Anabel não quer partir, tampouco Enoch aceita que ela se vá. Uma paixão que, como o título sugere, deixa-os inquetos. Anabel quer viver mais do que nunca; Enoch, que já havia desistido de viver, decide abraçar essa ideia com toda a energia que tem. E, na contagem regressiva dos dias, os dois são genuinamente felizes.

Este é um filme pequeno, agridoce, ocasionalmente triste, mas ensolarado pela boa atuação dos dois protagonistas. Um filme sobre saudade, sobre despedida, sobre amar algo, alguém, com a certeza que há um fim inevitável no horizonte. Uma história de amor incomum, sobre como o sentimento entre duas pessoas transcende todas as nossas noções de começo, meio e fim. Algo sem nome, misterioso, une Anabel e Enoch e talvez seja justamente isso que me uniu a esse filme.

domingo, 24 de junho de 2012

HISTÓRIA DE AMOR

Você me pediu para te contar uma história de amor. E aqui está ela, que seria como tantas outras, não fosse um pequeno detalhe. 

* * *

Ele estava sentado, no café, como tantas outras vezes; entretido e absorvido pelos seus pensamentos solitários, pela leitura hipnótica, por um punhado de palavras que rabiscava num bloco de notas. O café, em si, esfriava à sua frente, intocado há alguns minutos. As pessoas passando por ele, algumas até compartilhando a sua mesa, sem nada disso resgatá-lo de si mesmo. Até que ouviu uma voz infantil, dirigindo-se a ele de forma imperativa.

"Vou me sentar aqui", disse a menina. "Com você".

Seus olhos imediatamente freiaram diante da frase que lia e se dirigiram à sua interlocutora. Ela não devia ter muito mais que seis anos, cabelos negros feito petróleo, cascateando, levemente ondulados, sobre seus ombros pequeninos. Um vestido florido estampava sua pele branca como papel. E, no centro do rosto marcante, um par de olhos azuis gigantescos, feito duas safiras, emoldurados por uma chuva de sardas pequenas, como um céu cheio de estrelas. Era a criança mais linda que ele havia visto em toda a sua vida. 

"Por favor", ele respondeu, "vou adorar a sua companhia".

A menina sorriu um sorriso largo, evidenciando um dente ausente; um sorriso sincero, inocente, que os adultos desaprendem a oferecer com o amadurecimento. Ela era inquieta, como se estivesse sentada sobre a cadeira mais desconfortável; mexia nos cabelos de forma intrigante - como ele mexia nos seus, em verdade - e fazia perguntas de forma sucessiva, como uma metralhadora, parecendo mais interessada em perguntar do que em ouvir as respostas. 

Ela queria saber que livro era aquele em suas mãos; o que tanto ele rabiscava; porque não bebia o café; que gosto tinha o café; se ele só vestia camisas listradas; se os olhos dele eram azuis-esverdeados ou verde-azulados. Sem muito espaço para responder, ele decidiu também interrogá-la. Queria saber o seu nome; onde estavam os seus pais; se ela gostava de vestidos floridos e o que fazia ali, sentada com um estranho, preocupando a sua mãe e o seu pai.

Ela gargalhava, de olhos fechados, como se fosse dona de um segredo só dela, e que ela não tinha a menor intenção de revelar. Ele percebia que ela olhava em todas as direções da livraria, como se procurasse por alguém. 

"Procurando a sua mãe?", ele inquiriu. 

Ela concordou com um movimento rápido de cabeça, olhando-o de canto de olho e com um sorriso maroto no rosto. Então se levantou abruptamente e puxou-o pela mão. Sem espaço para uma negativa, ele juntou as suas coisas e foi com a menina até uma prateleira.

"Literatura estrangeira".

A menina pediu que ele se abaixasse, para que os dois ficassem à mesma altura. Ele anuiu, ajoelhou-se e, por um instante, pensou que a menina fosse abraçá-lo. Ao invés disso, ela tocou-lhe o ombro, direcionando-o. Ela apontava na direção de uma moça que estava a alguns metros na frente dos dois.

"Vê aquela moça ali? Aquela moça linda? Aquela que está ali, pegando justamente o livro que você está lendo?", a menina apontava com um dedo pequenino na direção da mulher mais atraente que ele havia visto. Cabelos compridos, negros feito petróleo, olhos amendoados e pequenos, uma pele branca feito papel, entretida ela mesma com os seus pensamentos.

Ele respondeu que sim, balançando a cabeça.

"Então. Você vai se aproximar dela, agora, e dizer que ela precisa ficar", a menina o instruiu de forma misteriosa.

Percebendo que ele não havia entendido absolutamente nada daquilo, a menina decidiu aprofundar as suas instruções.

"Veja, vocês dois são especialistas em tomar as decisões mais equivocadas de todos os tempos. Eu só estou querendo ajudar", a menina sorriu, senhora de si.

Ele voltou os olhos na direção da mulher, ainda ouvindo a menina sussurrar em seu ouvido.

"E também porque eu quero muito nascer", a menina o beijou com carinho o rosto.

Ele virou-se, com um susto, mas ela não estava mais lá. Levantou-se, inquieto, olhando em todas as direções, procurando a menina, sem sucesso. Não havia nem sombra dela ali. Havia sobrado uma saudade cortante, uma dor sem explicação, uma lágrima vindo surpreender seus olhos, como se uma parte dele também tivesse desaparecido com a misteriosa menina de olhos azuis e perguntas sem fim.

Enamorado daquele encontro metafísico, respirou fundo e caminhou, a passos lentos, na direção da mulher que, parecendo perceber sua aproximação, virou-se delicadamente ao seu encontro. Os dois se olharam pela eternidade de alguns instantes até ele quebrar o silêncio.

"Você deveria ficar"

E os dois se apaixonaram ali, naquele momento, naquela livraria. E ela, que cogitava deixar a cidade em busca de novos horizontes, decidiu ficar. Anos depois, casados e felizes, ele enfim conheceu a menina, de olhos azuis, cabelos negros e uma boca cheia de perguntas, que seria a sua filha e a coisa mais importante de sua vida.

* * * 

Eis, então, apenas mais uma história de amor, como tantas outras, não fosse um pequeno detalhe. 

Essa é a história de como eu conheci você.

sábado, 16 de junho de 2012

SILÊNCIO, PALAVRAS E SOFRIMENTO

Ocasionalmente, um filme me atropela inesperadamente. São esses filmes especiais, únicos, que eu, por uma razão ou outra, não os dei devida atenção no momento certo. "A vida secreta das palavras" (The Secret life of Words), filme de Isabel Coixet, é um desses filmes.

Com quantas palavras, com que silêncio, é possível medir o sofrimento de uma pessoa? Em que idioma? Com que imagens, com a profundidade de que cicatrizes? Onde habita a dor real, verdadeira? Essa é a pergunta que lateja durante todos os segundos deste filme. Na tela, conhecemos aos poucos a história de Hanna (Sarah Polley), uma estrangeira, fria, surda e que, pelo que entendemos, vive uma vida asséptica, desprovida de emoção. Tudo é ordem, tudo é beje, tudo é repetição.

"Obrigada" a tirar férias na fábrica em que trabalhava há quatro anos sem descanso, sem faltas nem atrasos, Hanna se vê num pequenino hotel litorâneo que, por um acaso do destino, fica próximo de uma plataforma petrolífera que passa por grave acidente. Descobrimos que Hanna também é enfermeira e, por essa aptidão, ela é levada para cuidar de um americano, Josef (Tim Robbins), que está queimado e imobilizado sobre uma cama.

Sarah Polley e Tim Robbins vivem Hanna e Josef, dois seres fragmentados, em busca de se refazerem

Josef é um homem fragmentado e infeliz. E não apenas pelos seus ossos e pele danificados pelo acidente. Ele sofre pelo mal que causou a algumas pessoas, pelas suas escolhas equivocadas. Josef é amargo, irônico, defendendo-se sob a melancolia das suas memórias. Então ele conhece Hanna, uma enfermeira anônima, que se recusa a dizer o nome, a falar de sua vida, a revelar qualquer coisa sobre si. A única coisa que Josef sabe sobre ela é que ela gosta de frango, arroz e maçãs. E só.

A plataforma, agora praticamente abandonada, abriga um punhado de almas infelizes que compartilham o desejo "de serem deixados em paz". Um não lugar, uma ilha metálica de solidão, esquecida do mundo. Esquecendo do mundo. Tentando esquecer. Inevitavelmente, Hanna e Josef trocam memórias e descobrem que estão se "envolvendo" na teia das circunstâncias que os envolvem. Hanna trata das dores de Josef. Mas... e quem trarará das suas próprias? 

Eu poderia continuar e versar sobre a vida secreta dessas palavras, dessas imagens, da mágica que esconde esse filme despretensioso. Eu, porém, escolho calar. Melhor, talvez não consiga mesmo ser muito prolixo a respeito desse filme. Faltam as palavras, sobra a emoção. Este filme não serve para ser "visto", apenas, ele deve ser vivido, sentido. É a única forma. E, por isso, nenhum texto seria eloquente o suficiente para descrevê-lo.

O que posso dizer, sim, é que esta é uma história difícil, que nos mostra como a vida pode nos afogar sob o peso das nossas lágrimas. 

Mas que, também, pode nos ensinar a nadar.


quinta-feira, 14 de junho de 2012

MINHA ALMA INCONQUISTÁVEL


"Do avesso desta noite que me encobre,
Preta como a cova, do começo ao fim,
Eu agradeço a quaisquer deuses que existam,
Pela minha alma inconquistável.

... Na garra cruel desta circunstância,
Não estremeci, nem gritei em voz alta.
Sob a pancada do acaso,
Minha cabeça está ensanguentada, mas não curvada.

Além deste lugar de ira e lágrimas
Avulta apenas o horror das sombras.
E apesar da ameaça dos anos,
Encontra-me, e me encontrará destemido.

Não importa quão estreito o portal,
Quão carregada de punições a lista,
Sou o mestre do meu destino:
Sou o capitão da minha alma."

(Invicto, William E. Henley)

ILUSTRANDO

Jacques Louis David - "Napoleão como Rei da Itália"

terça-feira, 12 de junho de 2012

FILMES PARA O DIA 12

"Serendipity" (Escrito nas Estrelas - o ULTIMATE filme do Dia dos Namorados)

Para todos os casais cinéfilos por aí, mais alguns filmes perfeitos para quem tem alguém para passar o Dia 12 dos Namorados:

"Dream for an insomniac" (Alma de Poeta Olhos de Sinatra)

"The Notebook" (Diários de uma Paixão)
"Before Sunrise" (Antes do Amanhecer)

"Before Sunset" (Antes do Pôr-do-Sol)

"Elizabethtown" (Tudo Acontece em Elizabethtown)

"Garden State" (Hora de Voltar)

"Lake House" (A Casa do Lago)

"Like Crazy" (Como Loucos - com ressalvas...)

"Eternal Sunshine of a Spotless Mind" (Brilho Eterno... - com ressalvas...)

"Love Actually" (Simplesmente Amor)

"Medianeras" (Medianeras)

"Notting Hill" (Um Lugar Chamado Notting Hill)

"P.S. I Love You" (P.S. Eu te Amo)

À ESPERA DE UMA MENINA DE CÂNCER

Um dia me explicaram sobre elas. Tentaram, pelo menos. As deliciosamente complexas meninas de câncer. Apaixonadas, românticas incuráveis, devotas, frágeis feito porcelana, lobas mortais quando devidamente provocadas. "Esteja avisado sobre os seus beijos", assim também me instruíram. "Há algo de sereia, de ninfa, de musa em seus beijos. Algo de feitiço".

Seus segredos devem ser respeitados. Seus cantos, encantos, mistérios; seus hábitos, suas "coisas", sejam coisinhas ou coisonas. Coisas de meninas de câncer que, se tocadas de forma correta, abrem seus braços feito pétalas, suas primaveras pessoais; se tocadas de forma equivocada, porém, fecham-se feito concha. E cruzam os braços, fazem bico, fazem birra. Pura manha.

E choram, choram, choram... o fim do mundo parece cair sobre os seus olhos; olhos de mulher, menina, criança.

Elas possuem um charme tímido, coisa de gueixa, dizem. Sabem cuidar, é algo natural, interente, feito profissão. Melhor, gostam de cuidar. Não pedem muito, mas querem tudo. São donas, senhoras, proprietárias exclusivas dos corações dos seus amados. E perdoam tudo. Melhor, quase tudo. "Não traia a confiança de uma menina de câncer", explicaram, "é um caminho sem retorno".

Tampouco se critica uma menina de câncer. Ora, ela já o faz demasiadamente. "Faça o caminho oposto", me disseram. "Ela quer carinhos, quer ser cuidada, escondida da chuva, do vento forte, do perigo, mesmo os imaginários".

E não se brinca com os sentimentos de uma menina de câncer, também apontaram. A pele delas é fina, corta fácil. A armadura que elas gostam de ostentar é cênica, não é de ferro. E o coração que bate ali dentro suspira, sussurra e às vezes fica inconsolável. Elas, que parecem sempre estar em perigo. "Mas não se engane", soube. "Não confunda fragilidade e fraqueza; você se surpreenderá quando elas decidirem ir à guerra".

Estas meninas de câncer... esse magnetismo, essa beleza distinta; esse calor, um quê sem muita matemática, sem muita lógica, esse algo que elas parecem ostentar. Elas que parecem ter o dom nato de agradar e conquistam sem esforço. Países e nações inteiras tomados sem tiros.

É que há algo de especial nelas, entendi. As queridinhas dos astros. "Não é complicado", concluíram. "É só não brincar com elas; a não ser que elas queiram brincar. Leve-a no bolso, pertinho do coração, e tudo estará bem".

Por fim, me perguntaram, "e então, o que você faria se encontrasse uma menina de câncer"?

A ela eu entregaria o meu mundo.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

PARA [QUEM TEM] UMA NAMORADA NERD...

presente melhor, neste dia dos namorados, que um vestido estampado com o mapa da Terra Média?

PARA VER E OUVIR: JOHN MAYER ("I DON'T TRUST MYSELF LOVING YOU")



Porque esta semana que começa é perfeita para se dizer a alguém: "não respondo por mim ao te amar".

sábado, 9 de junho de 2012

ILUSTRANDO

Edward Hopper - "Western Motel"

sexta-feira, 8 de junho de 2012

JORGE

Hoje Jorge escolheu se manifestar. Ao seu jeito, como Lhe é habitual. Algo que me deixa meditativo. E grato, claro, sempre. E feliz por me lembrar que eu sou da sua Companhia.

FOME


XI
Pablo Neruda

Tenho fome de tua boca, de tua voz, de teu pêlo
e por estas ruas me vou sem alimento, calado,
não me nutri o pão, a aurora me altera,
busco o som líquido de teus pés neste dia.
Estou faminto de teu riso resvalado,
de tuas mãos cor de furioso silo,
tenho fome da pálida pedra de tuas unhas,
quero comer teu pé como uma intacta amêndoa.
Quero comer o raio queimado em tua formosura,
o nariz soberano do arrogante rosto,
quero comer a sombra fugaz de tuas sobrancelhas.
e faminto venho e vou olfateando o crepúsculo
buscando-te, buscando teu coração quente
como uma puma na solidão de Quitratúe.

* * *

Side note: Porque você "irá descobrir, um dia, quem sabe, que tudo pode ter dado errado no passado, mas também que tudo pode dar certo comigo".

terça-feira, 5 de junho de 2012

ILUSTRANDO

Gustav Klimt - "Retrato da Baronesa Elisabeth Bachofen (1914)

segunda-feira, 4 de junho de 2012

PARA VER E OUVIR: PHOENIX ("LOVE FOR GRANTED")



Uma das músicas mais lindas que ouvi há um bom tempo... Me pegou de surpresa, hoje, quando eu nem me vi muito capaz de pensar [mais]. E me paralisou por alguns instantes de saborosa melancolia.

O ESTADO JARDIM E A GRAVIDADE

Decifrando a gravidade a partir de "Garden State" ("Hora de Voltar"):

"Talvez a gente não seja tão feliz quanto você sempre sonhou que seríamos; mas, pela primeira vez,  vamos nos permitir ser o que quer que seja que nós somos e sejamos felizes assim".

Sim, sejamos.

PARA VER E OUVIR: SARA BAREILLES ("BRIGHT LIGHTS AND CITYSCAPES")


Sara B., Sara B., why you keep doing this to me?

ILUSTRANDO

A fantasmagoricamente encantadora arte de Andrew Wyeth. Arte hipnótica para mim.

domingo, 3 de junho de 2012

A AMANTE

Na manhã em que os dois chegaram à casa nova, era como se o dia, a cidade, o planeta estivessem contaminados por aquela euforia que eles sentiam. Recém casados, chegavam com os corações inebriados pela certeza inquestionável de que seriam felizes ali. Para sempre. 

Haviam comprado um sobrado antigo, que necessitava de todo o tipo de reparo. Mas isso não importava. Eles estavam apaixonados, eram jovens, começavam uma vida juntos, não havia nada que fosse assustador demais. Não havia perigo ou desafio maior que os seus sonhos.

Sujos de tinta, poeira, com mãos e pés machucados por pregos, cacos de vidro e lascas de madeira, eles eram apenas sorrisos, apenas abraços, apenas beijos. Namoravam, entre um reparo e outro, vestiam-se e despiam-se ao longo dos corredores e cômodos daquela casa antiga, apaixonados. Eram felizes, eram amantes, eram as únicas pessoas do mundo e aquela casa seria o castelo onde eles fundariam uma família.

Um dia, enquanto ele lixava a madeira do assoalho, revivendo tons de cobre que denunciavam o que aquela casa havia sido outrora, ele percebeu algo sob o estrado de uma velha cama de solteiro. Um cartão ou uma fotografia, não conseguia distinguir. Esticou a mão e puxou o objeto para si, revelando algo que roubou o seu fôlego por alguns instantes. 

Aquela fotografia em suas mãos. Uma bailarina, esguia, misteriosa, de pele branca e cabelos negros, de costas para ele, diante da porta daquele mesmo quarto. Ela parecia dançar em meio aqueles escombros, indiferente ao caos. Ela havia estado ali. Exatamente ali, onde ele estava.

Sentou-se, com a foto em mãos, contemplando aquela mulher anônima por um tempo que parecia ter durado horas. Quem era aquela mulher? Quando aquela foto havia sido tirada? Ele queria saber mais, descobrir o seu nome, conhecê-la. Não tinha como dizer a idade daquela foto. Aquela mulher poderia ter 20, 30, 70 anos. Talvez nem estivesse mais viva. 

Observou a foto, cada contorno, do quarto e do corpo. As paredes descascadas em contraste com as pernas lisas, esguias, compridas. As mãos delicadas, segurando os batentes da porta. O corpo esticado, como um cisne. Ela era linda, ela era perfeita, ela havia confiscado seu olhar. Percebeu que seu coração batia num compasso acelerado e, quando notou a boca e os olhos secos, paralisados, tomou conhecimento que sua mulher o chamava da porta.

Virou-se, com um sobressalto, como se tivesse tomado um susto. "O que está fazendo?", ela perguntou com um sorriso sincero, "parece ter visto um fantasma". Ele desconversou, como se tivesse escondendo algo. E, sem que ela percebesse, guardou a fotografia em seu bolso. Beijaram-se. "Não foi nada", ele sussurrou em seu ouvido, "estava desatento, só isso".

Mas não era só isso. E ele soube, no instante em que disse aquelas palavras comuns. Abraçava a sua mulher, mas era na bailarina que moravam os seus pensamentos. E ele sentiu culpa, como se estivesse escondendo uma amante. Sorriram e, de mãos entrelaçadas, desceram para um jantar improvisado na sala. 

Uma obsessão começava a nascer em seu corpo. Aquela mulher. A bailarina. Lembrava que havia pesquisado sobre aquela casa, há décadas abandonada. Não havia história, pelo menos não uma recente. Não havia registros de antigos moradores. Nada. Aquele sobrado, até onde sabiam, sempre fora um lugar condenado e vazio. Mas, então, quem era aquela mulher na fotografia? Para quem ela posava? Por que razão aquela foto havia permanecido ali, onde nenhum outro vestígio podia ser achado?

Os meses foram passando, as paredes foram ganhando vida, cores, quadros. A casa foi sendo ornada com utensílios, móveis, tapetes, aparelhos eletrônicos. Os corredores ganharam música, a sala passou a ter mesa e cadeiras. Os escombros cediam lugar, pouco a pouco, a uma casa de sonhos, habitada por pessoas felizes.

Na superfície, pelo menos, era assim. Eles eram felizes. Superficialmente felizes. Ela saía para trabalhar, todos os dias, e ele, que trabalhava em casa, como um semi-bem-sucedido escritor, contava os segundos para ver a porta se trancar por trás de sua mulher. Era quando ele sacava a fotografia do seu bolso e contemplava a bailarina. Havia criado nomes, cenários, histórias para aquela foto. Para ela, a sua amante.

Inúmeras vezes despia aquele corpo, às vezes com delicadeza, às vezes com voracidade, rasgando os tecidos, feito um animal selvagem. Todas as vezes, ela ria, como se satisfeita, seduzindo-o com facilidade. Havia perdido a conta de quantas vezes havia feito amor com a bailarina. Havia perdido a conta de quantas vezes os dois deitaram-se naquele assoalho, suados, ofegantes, corpos entrelaçados, úmidos, exaustos.

Ver a sua mulher partir era o começo do seu dia e ele amaldiçoava feriados e finais de semana, porque significavam que ele ficaria sem vê-la. A bailarina. Quando a sua mulher voltava, ele começava a ensaiar seu sorriso de saudade, meticulosamente construído enquanto ouvia a chave destrancando a porta. Ela chegava sorrindo, com uma novidade na língua; às vezes trazia pães, queijos, vinho. Às vezes os três saíam para jantar. Todas as vezes celebravam o reencontro, a saudade, o fim da ausência.

Superficialmente.

Até que um dia a sua mulher encontrou a foto. Guardou-a de volta no bolso, mas estranhou quando encontrou a mesma foto no bolso de camisas diferentes. Decidiu confrontá-lo. Perguntou a razão de ele carregar a fotografia no bolso de toda a camisa que vestia. Ele desconversou, sem habilidade. E tentou tomar a foto de suas mãos. Ela se assustou com aquele ímpeto. O que era aquela foto? Qual a sua importância? Ele pareceu no limite de perder o controle. Queria a foto de volta. E saltou sobre a sua mulher, feito um lobo. Ela já não reconhecia o homem com quem havia se casado.

Lutaram intensamente no chão. A foto saltava entre suas mãos, até que sua mulher se desvencilhou daqueles braços que a prendiam com força. E, com um movimento rápido e preciso, prometeu destruir a fotografia com um isqueiro aceso de forma ameaçadora. A chama flertava com a ponta da fotografia, perigosamente. 

Foi a gota final. Cego pela fúria, ele empurrou a sua mulher, que deixou a fotografia voar, desacordando ao bater a cabeça no chão. Ele projetou-se em busca da sua fotografia, sem perceber as chamas que começavam a lamber os tapetes e cortinas ao seu redor. Beijou a foto, com devoção. Ela estava ali, de volta, segura, em suas mãos. Suas mãos apaixonadas. Sua bailarina. 

Quando os bombeiros chegaram à casa, não havia muito mais ser salvo. Restava o esqueleto ainda fumegante de um sobrado antigo e os corpos carbonizados de um casal jovem, que havia chegado ali para começar uma vida. Aquela tragédia urbana, aquela infelicidade sem nome, aquele absurdo.

Não havia restado nada, absolutamente nada, que pudesse contar a história daquela casa ou de quem um dia tivesse morado ali. Apenas uma fotografia, no chão, anônima, de uma bailarina, esticando seu corpo graciosamente na porta de um quarto.

PARA VER E OUVIR: JOHN MAYER ("WALT GRACE'S SUBMARINE TEST, JANUARY 1967")

ILUSTRANDO

Franz Marc - "O Sonho"

sábado, 2 de junho de 2012

ERA UMA VEZ UM OUTRO TEMPO...

sei que não me canso de me surpreender com esse punhado de canções inéditas da minha queridinha, Sara Bareilles em seu novo EP "Once upon another time". Com não mais que cinco músicas, ela realmente criou um caleidoscópio completamente diferente de tudo o que já fez até hoje. Sim, a doce menina, de plenos pulmões está lá, claro, bem como suas letras cheias de dores e delícias. Mas ela escolheu mostrar novos tons, novas cores, novas caras. E eu estou amando cada pedaço disso. E esperando por mais.

Em "Lie to me", ela mostra um lado mais mulherão, deliciosamente inesperado, numa canção extremamente sexy e de batida viciante: "[...]lost to be found, I'm a bloodhound born for seeking, pour a pray must we die, soon it will grow, but your act drives a beating and now it's all off far[...]".


Já em "Sweet as a whole" ela aparece com uma letra atípica e completamente provocante; ela ainda é a menina que busca unicórnios e arcos-íris, mas a vida já a ensinou que ela também pode ser... por falta de palavra melhor, "a bitch": "[...]I'm actually kind of a bitch, but that only happens when I get provoked, by some piece of shit asshole we all sadly know, and I sit and I write, while reminding you all, that mean songs are still better than going postal[...]".


Por fim, em "Bright lights and cityscapes", ela vem com tudo, do jeito como a conheço, como me apaixonei perdidamente, numa canção que transpira beleza e me devasta, me atravessa, inteiro, feito um relâmpago. "Hold my breath and I'll count to ten, I'm the paper and you're the pen, you fill me in and you are permanent, and you'll leave me to dry. I'm a writer and she's the muse, I'm the one that you always choose. She will falter and gift her blame, and it starts all over again, again, again, again[...]".



AS TERRAS NEGRAS


Ela se sentia cansada, como se estivesse à deriva por uma eternidade. Por mais tempo do que conseguia lembrar, por mais tempo do que era verdadeiramente capaz. À deriva. Queria voltar para casa, para aqueles que a amavam, onde quer que eles ainda estivessem; se ainda estavam. Aquelas lembranças borradas em sua mente, como fotografias desfeitas. Mas não era tarefa fácil deixar as Terras Negras. Em verdade, não se tinha registros fiéis de quem havia conseguido cruzar suas vastas e inóspitas fronteiras. Pelo menos, alguém que tivesse sobrevivido. Os comuns diziam que "era preciso criar asas para deixar as Terras Negras".

Era o seu sonho impossível. Ela que era uma estrangeira, sem pátria, exausta de correr sem destino, de errar os costumes, de trocar as palavras, de se perder eternamente nas traduções. Ela era uma pensadora numa terra de bárbaros, esforçando-se em se adaptar ao inadaptável. E sentia-se só. Completamente só. Olhava o céu gris sobre os seus cabelos sujos e questionava se os deuses não haviam reservado nada mais a ela que aquele triste destino.

Mas ainda havia uma força órfã, tímida; a essência de sua raça, algo de loba, algo preso ao sangue, que não se confisca. Recusava-se religiosamente a hipotecar a sua alma e a vendar os seus olhos como os outros. Algo no seu peito a fazia acreditar que era um mero acidente o exílio nas Terras Negras, ela que já nem se recordava o seu crime. Em breve teria em mãos a chave que a transportaria para bem longe, de volta para casa, pensava. Algo aconteceria. Escondia-se sob a proteção de uma sombra e, mesmo quando lhe escapavam as ideias concretas, confortava a si mesma repetindo uma palavra, como um mantra: “algo”. Abraçava-se. "Algo".

Havia dominado a arte marginal de travestir-se. Era o único meio de esboçar adaptação e de sobreviver. Assim, desenvolveu para si mesma um manual para navegar pelas ruas e pessoas, lutando para não perder o rumo enquanto se esforçava em circunavegar a sua própria alma. Não se perderia de vista, nem que a sua esperança a vestisse como uma mortalha.

Um dia, foi avistada escalando a grande muralha norte, que separava a cidadela de um abismo supostamente sem fundo, negro como a garganta de um monstro gigante. Descalça, pés imundos e calejados, caminhou vagarosamente para a beirada. Sentiu os fortes ventos gelados invadindo o seu corpo, aquele vapor úmido, aquele horizonte de areia escura e esqueletos de árvores. O vestido puído e esfarrapado tremulando ao redor das suas pernas delicadas. Respirou fundo. "Algo".

Fechou os olhos e saltou, sem medo algum, feito um pássaro, com os braços abertos em mergulho.

O habitual ato de desespero foi ignorado pelas torres de vigia. Mas ela sabia que algo aconteceria. E algo enfim aconteceu. No meio de sua queda, sentiu seu corpo amparado pelos braços de um pirata dos ares, um adorável contrabandista, que a observou por alguns instantes com fascínio e perplexidade. Era o único jeito de fugir das Terras Negras, algo que ele só havia ouvido falar nas lendas de bêbados contadas nas tavernas. Sorriu. Rapidamente tomando o leme de volta, abraçou aquele corpo trêmulo contra o dele e a ouviu sussurrar, como se adormecendo: “Leve-me embora daqui... para um lugar onde eu possa tocar o sol”.

E então o pequeno dirigível sobrevoou graciosamente a imensidão melancólica das planícies das Terras Negras até ser banhado sutilmente pela luz do horizonte e se perder na tênue e distante mancha de sol que resistia em rasgar o horizonte. De nada adiantaram os sinos. Ela havia fugido. E rumava para casa.

Seu desespero se tornou lenda. E com a lenda, ela virou uma heroína anônima, a que conseguiu voar. Não por mágica, não por bravura, mas, simplesmente, por não ter deixado de acreditar.

A SOMBRA DO GIGANTE

Parece mentira mas, ao que tudo indica, "Shadow of The Colossus" ganhará uma versão cinematográfica. Agora, é só torcer para que eles não estraguem essa obra-prima com uma versão pobre e medíocre para o cinema... Esperar para ver.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

PARA VER E OUVIR: INGRID MICHAELSON ("DECEMBER BABY")

ILUSTRANDO

Edvard Munch - "Nietzsche"

AMOR PLATÔNICO

A atriz brasileira, Virgínia Cavendish. O amor platônico mais fácil do mundo de explicar: porque ela é linda e o meu coração sempre dispara quando a vejo em cena. Simples assim.

MINHA NOVA PAIXÃO

A saga de George R.R. Martin, "A Guerra dos Tronos" ("Game of Thrones"); livros E seriado. Leio as aventuras e reviravoltas, suspirante como uma moçoila do século XIX e vejo as traições e vinganças do seriado como uma noveleira colérica. Paixão à primeira vista, um quê de religião (que meu amado Tolkien não me escute, claro). Mas é onde dormem meus sonhos acordados hoje em dia: no vão entre Westeros e Essos.

Arya Stark, minha queridinha, a mais linda de todas, minha filhinha adotiva imaginária. Acho, em verdade, que só acompanho esta guerra para ver a mulher que você um dia se tornará...