sábado, 22 de setembro de 2012

O REINO EM NÓS

A cada novo filme, uma nova obra-prima. Parece exageiro, mas não é. A cada novo trabalho, Wes Anderson ("Viagem a Darjeeling") dá mais provas de que é um dos mais importantes cineastas da atualidade. Com um estilo próprio, inconfudível, que é perceptível desde o lettering até às cenas ordenadas de forma obsessiva e povoadas por personagens excêntricos e adoráveis, Anderson criou mais um lindo filme, de uma simplicidade absurda e de uma profundidade que chega a doer.

Ainda que a "alma" dos seus filmes esteja ali; a saber, famílias complexas, crianças maduras demais para suas idades, figuras paternas e maternas hesitantes, "Moonrise Kingdom" oferece uma nova paleta de cores ao caleidoscópio de Anderson. Aqui, o tema que pauta a história é a solidão de duas crianças. 

"Como uma criança pode sofrer com a solidão, com o 'não-pertencimento'?", poderíamos nos perguntar. Afinal, é uma reflexão tão "adulta", esta que permeia os jogos e a política da maturidade. A verdade é que crianças podem ser seres absurdamente solitários, isolados, diferentes, não-pertencentes, alienígenas, alheios e, portanto, seres que sofrem muito e que desejam fugir acima de qualquer coisa. Para onde? Pouco importa. Fugir.

Num acaso do destino, Sam (Jared Gilman) e Suzy (Kara Hayward) se encontram. Uma linda metáfora marca o encontro: uma peça de escola, retratando a arca de Noé, em que pares de animais são reunidos para fugir do dilúvio (como eu disse, eis aqui um filme lindo que dói).

Com pouco mais de 12 anos, os dois vivem uma linda história de amor, romântica, infantil, pautada mais pelo sonho que pela realidade. Sam é órfão, sem amigos e tem nas habilidades como escoteiro o seu trunfo. Suzy é uma menina melancólica, solitária, que não consegue se comunicar com seus pais, que a enxergam como "uma criança problema". 

Sam e Suzy, duas almas gêmeas, cunhadas na incompreensão da vida que são obrigados a viver

Vivendo numa pequenina cidade da Nova Inglaterra (EUA), na década de 60, os dois bolam um plano mirabolante. Um plano de fuga. Seriam só eles, somente eles, munidos pelo poder das suas correspondências e pelo desejo de viver uma vida longe das convenções das quais não conseguem fazer parte como "crianças normais", eles que realmente vivem em outro tempo. Um tempo só deles.

E é o que eles fazem. Atravessam a ilha a pé, alimentados por improvisos, literatura, música, devaneios sinceros e beijos inexperientes. Por danças sem pretensão, à beira da praia; sob a música improvisada num rádio de pilha, sem nada e com tudo, os seres mais felizes do planeta. Encontrados, enfim.

Por fim, mais um destes lindos filmes de Wes Anderson. Um de seus filmes "lindos de morrer", em que a beleza e doçura que aquecem o peito durante cada segundo. Um filme que me atravessou por completo e me deixou em estado meditativo.

Esse é meu mais novo melhor filme de todos os tempos. Seu impacto em mim ainda está sob análise. O que sei é que me provocou um redemoinho de memórias, lembranças quase-perdidas, sensações vivas, na pele, como se meus 11 anos tivessem acontecido ontem. Em outras palavras, voltei a ser um "garoto perdido", nas rápidas duas horas de projeção. Sem medo de exagerar, "Moonrise Kingdom" é uma maravilha, algo belo, algo que fica.

Sob a tenda de uma barraquinha amarela, na mais linda enseada do mundo, Sam e Suzy vivem mais que uma aventura inesquecível, mais que um romance de crianças. Eles fundam um reino.

Um comentário:

Anônimo disse...

Linda resenha.