quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

PENA

Uma dor lancinante nas costas o despertou do seu sono. Uma sensação desesperadora, como se suas clavículas estivessem sendo trituradas. Tocava-se, com aflição, em busca de algo; em busca daquela força que parecia destruir seu corpo por dentro.
 
Em vão.
 
Gritou, gemeu, chorou, enquanto se contorcia sobre a cama. Suando frio, embriagado pelo peso da sua respiração ofegante, correu para o espelho do banheiro. Olhava-se, curioso, tateando suas costas em busca de algum indício daquela dor terrível. Nada.
 
Então, de repente, a dor calou.
 
E ele seguiu para o seu dia. Como se nada tivesse acontecido. Talvez fossem gases, talvez tivesse dormido de mau jeito. Uma cãibra. Algo assim, não havia necessidade de se preocupar, nem de ir ao médico. A dor havia sumido.
 
E a vida seguiu o seu curso normal, aquela passagem de dias costurados por contas, filmes, refeições irrelevantes, encontros amorosos e livros nunca terminados. Até que, então, a dor voltou. E ele despertou, no meio da noite, como na primeira vez. Aquela onda, aquela pressão em suas costas, como se ele tivesse uma tonelada esmagando os seus ossos; como se o seu corpo fosse se romper de dentro para fora.
 
Virava-se, de um lado para outro, em busca de um ponto de paz, onde pudesse respirar aliviado mas a dor não passava. Levantou-se, acendeu a luz e ficou de pé, nu, incrédulo, diante da sua cama desfeita. Duas manchas vermelhas marcavam os lençóis, como duas moedas de sangue. 

De volta ao banheiro, percebeu que havia dois cortes em suas costas. Tocou os ferimentos, doloridos e inflamados, e percebeu algo estranho, como um espinho rasgando cada machucado. Tocou, espremeu a pele, mas nada aconteceu. Foi quando notou que a dor havia passado, exatamente como na primeira vez.
 
Fingindo que nada estava acontecendo, tomou banho como fazia todos os dias, ignorando a sensação da água morna que ardia sobre as suas costas feridas. Enxugou-se com delicadeza, novamente fingindo não sentir a toalha raspando nos espinhos que rasgavam as suas costas. E tapou cada um dos cortes com esparadrapos. E seguiu, como sempre, para o seu dia.
 
Mas a dor voltou a visitá-lo. Primeiro ao retirar os esparadrapos ensopados de sangue. Feito dois ferimentos à bala. Jogou as ataduras no lixo e ficou contemplando por horas aquelas duas marcas vermelhas e a pele ao redor, já ganhando tons lilases, de trauma. Com rios azulados cruzando as suas costas.
 
Tocava-se, com lágrimas nos olhos.
 
"Meu Deus, o que está aconecendo comigo?".
 
Num rompante de fúria, destruiu os travesseiros sobre a cama com golpes de inconformação. A dor o havia levado à exaustão. E então deitou sobre dezenas de penas espalhadas sobre a cama, envolto numa névoa resultante dos travesseiros desfeitos.
 
Sentia pena de si.
 
Pena.
 
Mas então ele entendeu tudo.
 
Vestiu uma calça, a primeira que achou, e saiu de casa de peito nu e pés descalços, rápido como um maratonista. Em passadas largas, subiu ao mirante da cidade para contemplar o sol nascendo sobre o mar. E quando as primeiras linhas douradas começaram a se desenhar sobre as águas lá embaixo, ele soube que Deus o havia chamado.
 
"Estou aqui", disse, de olhos fechados, absorvendo a sensação morna que envolvia o seu rosto.

E então saltou ao abismo, sentindo a violência do vento lambendo o seu rosto enquanto o seu corpo se aproximava do solo rapidamente, como um suicida. Foi quando percebeu as suas clavículas se rompendo, e a pele rasgando feito papel, e o esplendor de um par de asas que se projetavam das suas costas. E soube naquele momento que podia movê-las como duas novas mãos.
 
E elas planavam, com graça, levando-o de volta para as nuvens.
 
"Eu sou um pássaro".
"Eu sou um anjo".
 
E desapareceu no horizonte amarelo que envolvia aquele dia qualquer.

Nenhum comentário: