segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

domingo, 29 de dezembro de 2013

SE AO MENOS NÃO FOSSE TÃO GRAVE A GRAVIDADE

"Gravity", ficção científica de Alfonso Cuarón e estrelado (muito bem, aliás) por Sandra Bullock e George Clooney é, na falta de adjetivo melhor, um FILMAÇO completa e absolutamente imperdível. Suspense e adrenalina com qualidade primorosa no roteiro e direção. Sem sombra de dúvidas, um dos melhores (senão o melhor) sci-fi dos últimos anos. A prova, inquestionável, de que não são necessários monstros gosmentos e alienígenas invasores para deixarem o espaço assustador. Ele já o é, sozinho. 

Muito.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

FELIZ NATAL DO GRUPO ZAFFARI



Publicitários geniais fazendo coisas geniais... e fazendo bem ao mundo. Como essa propaganda de final de ano do grupo de supermercados Zaffari.

*baita cisco no olho aqui*

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

PARA VER E OUVIR: MISSA EM DÓ MENOR (KYRIE), DE W.A. MOZART


Mozart compôs esta missa especialmente para o seu casamento com Constanze que, segundo conta a história, solou ela mesma. O título vem do grego "Kyrie Eleison" ("Deus tende piedade de nós"). Entende-se a beleza etérea e absurda desta que, possivelmente, é uma das mais belas músicas já compostas pelo "homem". A verdade é que Deus deve sentir um misto de orgulho e profunda comoção até hoje por tamanha beleza em sua homenagem.

PARA VER E OUVIR: THE CRANBERRIES ("DREAMS")

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

PARA VER E OUVIR: CALVIN HARRIS ("SWEET NOTHING FR. FLORENCE WELCH")

QUEM SABE UM DIA...


Eu consigo agregar todas essas qualidades? Far-me-ia bem, sem dúvidas. 
Por enquanto, acredito responder bem por 50% (as duas primeiras).

Mas tá bom.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

MULHERES

O fascínio do venezuelano Carlos Pereira (19 anos) e a sua linda série de fotografias sobre mulheres. Lindo trabalho. Via Zupi.



PARA VER E OUVIR: BIRDY ("TERRIBLE LOVE")

"DIA DE SÃO CRISPIM"



"Entre nós não há homem tão vil que o dia de hoje não deixe a sua condição mais gentil".

Choro todas as vezes.

domingo, 1 de dezembro de 2013

PRETÉRITO IMPERFEITO

E então chega ele, majestoso, este mês, este soldado incansável, essa indústria de esperança que trabalha à exaustão, e que traz consigo a certeza inquestionável que "no ano que vem será melhor".

E muitas vezes é.

2012 foi trevas e, quando eu consegui nadar até a beirada da praia, com os pulmões já cheios de água e o corpo e alma em tantos pedaços que eu acreditava estar me desfazendo por completo, eis que encontrei Dezembro. E ele me deu a mão, me ajudou a levantar - ou pelo menos tirar o rosto da areia - e me disse "ano que vem será melhor".

E foi.

Porque eu era um gato doméstico, até 2012. Destes preguiçosos, gatos de janela, o dia inteiro a espera de algo para se esfregar, ansioso por carinhos sem fim. 2012 - pelas piores razões possíveis - matou para sempre o gato doméstico em mim; 2012 me converteu - numa alquimia negra - num gato selvagem, destes que erguem as presas para o vento. Apenas mágoa, apenas raiva, apenas vazio. 

Mas lá estava Dezembro, insistindo em que eu acreditasse - minto, clamando para que eu acreditasse. E, contra toda a minha desesperança, eu resolvi lhe dar mais uma chance. E assim foi 2013, desde o primeiro segundo, incansável, inquestionável, beirando o milagre; um ano em que tudo, tudo, absolutamente tudo, foi melhor. Infinitamente melhor. 

E chego a mais esse Dezembro, desta vez sem praia de náufrago; sem olhos inchados, mãos feridas, asas quebradas, sem o espírito tatuado por cicatrizes. Chego até ele orgulhoso, de cabeça erguida, vestindo meu melhor traje, e genuinamente feliz. E lá continua ele, esperando por mim.

"Obrigado meu amigo", então eu o digo. Com um sorriso no rosto. "Obrigado".

2012 me transformou numa ilha. 2013 me fez querer ser arquipélago.

Que 2014, então, me transforme em continente. 

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

MEMÓRIAS SEM MÉRITO

A chuva, às vezes, o fazia pensar nela. Ele ficava ali, olhando pela sua janela o movimento inerte da rua ensopada, a xícara de café aquecendo as suas mãos, o cheiro da grama molhada invadindo o seu nariz, deixando o seu corpo inteiro nostálgico.

Aquela saudade de dias que nunca existiram.
A melhor nostalgia de todas.

Ele não gostava de pensar nela, porém. Era uma alquimia cansativa, aquela de concatenar uma construção desordenada que envolvia desejo e decepção. Aquele somatório exaustivo de pensamentos tão artificiais... "Onde teria se perdido a menina dos seus olhos?", ele se perguntava; um sorriso torto, quase irônico, rasgava o canto do seu rosto. Suspirava.

Ela nunca havia existido. 

Havia algo salino naqueles pensamentos, ele não sabia bem o porquê. Um quê de tristeza, um quê de mágoa, aquelas memórias embaçadas, já sem forma nem mérito. 

She was his satellites. Set of lies.
She was his paradises. Pair of dices.

Ela simplesmente nunca existiu.

BROOKLYN NINE NINE

O que acontece quando as mentes por trás de "The Office" e "Parks & Recreation" decidem fazer um seriado sobre uma delegacia? Algo hilário e com - grande - potencial de clássico instantâneo. Comecei a ver "Brooklyn Nine Nine", ainda sem título no Brasil, e o seriado já me conquistou (ainda está na primeira temporada). Elenco interessante, misturando rostos novos e desconhecidos, e situações que, tradicionalmente, beiram o absurdo e a imbecilidade. Virei fã.

De quebra, já estou com uma quedinha pela Chelsea Peretti, que interpreta a louca (quíssima!) secretária do capitão. Até agora, são as melhores cenas e falas.


sexta-feira, 22 de novembro de 2013

PARA VER E OUVIR: BIRDY ("1901")

PARA VER E OUVIR: SARA BAREILLES ("MANHATTAN")


Ah, essa linda... meu amor platônico irrecuperável.

sábado, 16 de novembro de 2013

"SÓ ELES DIRÃO QUE TU EXISTES"

Sem Palavras
(Florbela Espanca)

Brancas, suaves mãos de irmã
Que são mais doces que as das rainhas,
Hão de pousar em tuas mãos, as minhas
Numa carícia transcendente e vã.

E a tua boca a divinal manhã
Que diz as frases com que me acarinhas,
Há de pousar nas dolorosas linhas
Da minha boca purpurina e sã.

Meus olhos hão de olhar teus olhos tristes;
Só eles te dirão que tu existes
Dentro de mim num riso d’alvorada!

E nunca se amará ninguém melhor;
Tu calando de mim o teu amor,
Sem que eu nunca do meu te diga nada!...

PARA VER E OUVIR: A FINE FRENZY ("ALMOST LOVER")

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

PARA VER E OUVIR: TAYLOR DAVIS ("GAME OF THRONES THEME")


Fez meu coração nerd bater forte e causou arrepio nos ossos!

SUMMER IS COMING


Muito - mas muito - legal. 

terça-feira, 29 de outubro de 2013

REINO E RUÍNA

Ele olhava para o teto do quarto, as sombras da noite projetando desenhos que faziam a sua imaginação voar pela janela. E ela dormia ali, nua, ao seu lado, a respiração leve, os cabelos esparramados no travesseiro. 

Procurava as linhas do seu corpo e sentia vontade de abraçá-la, acariciar as suas costas, correr os dedos entre as suas curvas, caminhos, reentrâncias, mas hesitava, guardava os movimentos para si, voltava ao baile das sombras. Sozinho.

É que ela estava além do seu toque, ela não pertencia a ele, e isso o deixava num limbo que misturava um desejo quase irrefreável de roubá-la, como nas histórias de capa e espada, e o desejo de pura e simplesmente ir embora dali, daquele quarto anônimo, e desaparecer para sempre.

"Eu poderia te roubar, te levar comigo, te reinventar"

Ele sorria.


Fechava os olhos, sem saber se estava dormindo, sem saber se estava acordado e imaginava que quando os abrisse nada estaria ali. Seria sonho. Mas ela estava, adormecida, há poucos centímetros dos seus dedos, entorpecida pelo cansaço do dia e da luta corporal que eles haviam travado pouco tempo antes. 

Ele se virou, de lado, e ficou ali, observando aquela mulher linda que era um abismo de perguntas sem resposta e que ele amava quase proporcionalmente à sua vontade de que nunca a tivesse conhecido. Ele gostaria de não gostar dela. Mas conformava-se diante desta impossibilidade. Afinal, não se faz esse tipo de escolha. 

Virou-se de costas para ela, como se estivesse de birra, cerrando os olhos, forçando-se a adormecer. Mas cada minuto daquela noite que ia escorrendo entre os ponteiros do relógio era um tempo sem volta, que ele deixaria de ter na companhia daquela mulher que era o seu reino e a sua ruína. E ele a queria de novo, a queria de volta, em todos os sentidos e formas imagináveis. Sem censura.

Manteve-se firme, num esforço solitário. "Esta será a última vez que você me verá", ele dizia para si mesmo, "amanhã eu terei outro nome, serei um homem avulso, um homem sem rosto, um homem mau, e você terá perdido o que nunca teve".

Mas sentia o cheiro dela, ali, inebriando os lençóis emaranhados. O cheiro adocicado, misturado ao aroma do seu cabelo desgrenhado, do seu hálito, do sabor do seu suor, as suas sardas, a textura do pêlo, o toque na pele, o gosto de todos os cantos do seu corpo. Uma sinfonia caótica, poesia e veneno, que o fazia afundar, sem rumo, sem controle; aquela mulher imantada, senhora da sua sanidade. 

"Eu me recuso a amar você".

Abraçou-se, como se fosse náufrago, agarrando-se à ideia de que ele deveria saltar daquela nau, nadar para longe, sobreviver. Ignorar aquela luz, aquele som, como um fugitivo de si mesmo. Ela deixaria de existir, e restaria somente o corte, o pulso, a cicatriz que ele ostentaria orgulhoso, como ferida de guerra.

"Eu venci você".


E no emaranhado daqueles pensamentos obstinados, ele sentiu uma perna escorrendo pela sua cintura, e um punhado de dedos delicados avançando pelas suas costas, ombros, pescoço. Ela vinha procurá-lo, sedenta, faminta, pela sua presa. E, naquele instante, as suas bocas se uniram, com sede e umidade, enquanto seus corpos se trancavam como chave e cadeado, mergulhando juntos num vórtice de calor, paixão, tato, suspiro, entrega, saudade.

Solidão.

Afastaram-se, mais uma vez, afundando os seus pensamentos na noite que banhava aquela cama anônima. 

E, enquanto ele ainda saboreava aquela mulher, sentindo-a viva ainda na ponta da sua língua, já não se lembrava mais dos seus planos de batalha. Perdido, esquecido, afogado, inebriado, adormecido.

Seu reino, sua ruína.

PARA VER E OUVIR: THE JESUS AND MARY CHAIN ("JUST LIKE HONEY")


Música com efeito pavloviano em mim: os primeiros acordes já transformam a minha garganta num emaranhado de nós...

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

PACTO


"Carn", curta de animação francês de Jeff Le Bars. A história de um pacto entre um menino, perdido na neve, e uma loba que, agonizante, precisa salvar seus filhos. Lindo, trágico, dark. E imperdível. Via Chongas.

PARA VER E OUVIR: DEATH CAB FOR CUTIE ("I WILL FOLLOW YOU INTO THE DARK")

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

"FOSTE TU QUE ME DESVENDASTE O AMOR QUE EU DESCONHECIA"


Texto de Raul Brandão ("Memórias", 1924)

Querida: estamos sozinhos à mesa nesta noite infinita em que a chuva cai lá fora com um ruido monótono de chôro. Estamos sós nesta noite de saudade e nunca foi maior a nossa companhia, porque cada vez me sinto mais perto dos mortos. Rodeiam-nos, chegam-se para mim e sentam-se ao nosso lume. São legião... Mais perto, que eu faço uma labareda que nos aqueça a todos. A velha mesa da consoada foi-se despovoando com o tempo, mas hoje estão aqui sentadas todas as figuras que conheço desde que me conheço... Tu, toda branca, e que mesmo através do túmulo me transmites sonho; tu, mais longe, mais apagada e sumida; e tu, que vens de volta, e encostas os teus cabelos brancos aos meus cabelos brancos, para me dizeres baixinho: -- Menino!--Pois ainda me chamas menino?! -- Outro acolá sorri e outro tenta falar... Dois vivos e tantos mortos sentados à roda desta mesa que veio de meu pai, foi de meu avô e pertenceu já a outras gerações desconhecidas, mas que estão aqui também comigo, escutando e sorrindo, enquanto as pinhas se transformam em flores maravilhosas e as vides que plantei se reduzem a cinza!... Nunca estive tão acompanhado como hoje nesta ceia religiosa de fantasmas, numa comunhão de saudade e de lágrimas, e sentindo que cada Natal volvido mais me aproxima dos mortos. Aumenta o silêncio húmido que nos isola do mundo... Dá-me as tuas mãos, querida, e deixa arder o lume, enquanto eu falo baixinho diante da legião que nos escuta, acompanhado pelo ruído de lágrimas que se ouve lá fora.

Um dia destes temos que nos separar, e é natural que seja eu, que sou mais velho, o primeiro a partir... Antes, porém, quero dizer-te que te devo o melhor da vida. Foste tu que me desvendaste o amor que eu desconhecia. A bondade e a ternura, que eu desconhecia. Não exerci talvez nenhuma influência na tua alma -- tu apaziguaste-me. O amor era em mim um simples impulso: criaste-o, e pouco a pouco essa força nas tuas mãos se transformou em sentimento religioso.

Olha para os meus cabelos todos brancos... Julgava que o amor ia diminuindo com o tempo -- e o meu amor não cessa de aumentar até à morte e para alem da morte. «Na ocasião em que escrevo estas linhas -- diz Alfieri nas Memórias -- na idade em que já desapareceram de todo as ilusões, sinto que a amo cada vez mais, à medida que o tempo destrói o brilho da sua passageira beleza. Ela tornou melhor, elevou e pacificou o meu coração -- e eu ouso dizer a mesma coisa do seu, que sustento e fortifico.»

É certo: cada ano que passa é um laço que nos prende e quanto melhor conheço a tua alma, mais me purifico ao seu contacto. Não só fazes parte do meu ser, mas da minha consciência. Chego às vezes a supor que tu és a minha consciência. Por isso esta separação vai ser dolorosa, ainda que eu creia que nos tornaremos a encontrar noutro mundo melhor. Não decerto para vivermos as horas que passamos juntos à beira do lume, penetrados um do outro e unidos pelo silêncio, mas numa vida superior que antevejo e numa paz mais profunda. Ainda assim tenho pena. Tenho pena das horas monótonas que correm -- do tempo que passa -- da brasa que se extingue...

Foste o fio que ligou a minha vida desordenada. Há em mim um ser desconhecido que me leva, se não estou de sobreaviso, a acções que detesto. Uma palavra tua me detém. Tenho passado o tempo a comentar-me e poucas almas me interessam como a minha. O que eu amo sobretudo é o diálogo com esse ser esfarrapado. Dêem-me um buraco e papéis e condenem-me à solidão perpétua. É-me indiferente... Isto é, um erro -- e tu fizeste-mo sentir. Sem mo dizeres -- compreendi que a nossa vida é, principalmente, a vida dos outros... Melhor: compreendi que a ternura era o melhor da vida. O resto não vale nada. Não é por a esmola da velha do Evangelho ser dada com sacrifício que é mais aceita no céu que o oiro do rico -- é por ser dada com ternura. O importante é a comunicação de alma para alma. A mão que aperta a nossa mão, o olhar húmido que procura o nosso olhar, o sorriso que nos acolhe, desvendam-nos o mundo. Às vezes é um nada que nos faz reflectir, é um momento, é uma figura que nos entra pela porta dentro e de quem nos sentimos logo irmãos...

Ainda não há muito que passei uma tarde no lagar, com os homens que assentavam os dornões, e achei um grande encanto àquela lide rude. Cheirava a mosto, e o cheiro pareceu-me mais penetrante que das outras vezes. É a quadra do ano em que caem as primeiras chuvas. Sente-se que vem aí o desabar imenso, nas noites que não têem fim --e aquela voz séria que nos faz reflectir. Há já um pique de frio, que sabe bem, e os ratos e as doninhas começam a levar para os buracos as primeiras folhas amarelecidas que caem das árvores. Tudo adivinha o inverno. A porta da adega comunica com a cozinha térrea da nossa pequena lavoura. Debruçada sobre o lar, a mulher deitava um feixe de sarmentos da poda sobre as brasas, e a fogueira lambia as paredes negras que relusem, iluminava os potes de ferro e o berço do filho ao lado do lume, a quem ela ia falando em-quanto fazia o caldo... Este pequeno quadro de interior humilde -- o homem que trabalha comigo na mesma vinha, o moço que o ajuda, a mulher e o berço, fizeram cismar... Aproximo-me cada vez mais -- outro inverno, ou a ideia da morte? -- da vida de todos os dias. Esta época do ano é a que melhor se harmonisa com a minha alma um pouco cansada e triste -- já resignada diante do fim. É agora que eu acho mais sabor à vida -- quando a sinto fugir-me. Cheira a folhas apodrecidas. As sombras mais frias, à espera de outras sombras geladas e eternas, trespassam-me de humidade. Anuncia-se o grande inverno no pio das aves, na cor das folhas que se arrepiam com a lufada do vento e caem uma a uma com um ruído tão leve como os passos da Morte...

O sentimento da vida humilde inspiraste-mo tu; este e outros de apaziguamento e verdade. Ligaste-me mais aos vivos e aos mortos. Aos que estão sentados ao nosso lado nesta noite sagrada e à legião infinita que tem sofrido no mundo, cumprindo a vida, aos desgraçados e aos humildes, aos pobres de pedir que caminham como dantes pela estrada. A chuva cai fora, com o ruído manso de quem se resigna e aceita a dor... Cheguemo-nos mais para o lar, que eu faço arder uma fogueira que nos aqueça a todos -- toros de carvalho duros como ferro que dão uma luz mortiça e um calor persistente; o pinheiro que arde, estala, flameja, numa grande labareda fugaz; as vides que plantei e já me aquecem há dois invernos e as pinhas que gosto de atirar uma a uma ao lume e que se transformam em maravilhosas flores de ouro, cujas pétalas só duram um instante... Cheguem-se todos os que no mundo me deram um bocadinho de ternura!

Tu, primeiro, de quem herdei a sensibilidade e esta paixão pelas árvores e pela água, e de quem sinto as mãos pousadas sobre a cabeça, trespassando-me de ternura; tu, tão velhinha, que me quizeste como a um filho, e vós todas de quem confundo as cabeças brancas. Sinto na mão um dedo nodoso que já não existe e a que a minha mão ainda se apega. Sinto as mãos que toquei durante a vida. Muitas já desapareceram, mas estão aqui entre as minhas -- as mãos de meu pai, as mãos de minha mãe, as mãos pequeninas das crianças. Não a mão material -- mas as mãos espirituais. As mãos quando a gente as aperta e as tem entre as suas dão-nos o ser inteiro pelo contacto. Destruídas pela morte fica a ternura que nos transmitiram.

Um momento, um só momento, um momento e lágrimas, um único momento para lhes fazer sentir também a minha ternura, redobrada pelos anos, aumentada pela saudade, amplificada pelo conhecimento da vida e da dor!...

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

INESPERADA PRESENÇA

Eu devo estar realmente nostálgico a respeito de tudo. Não nego. Não contesto. A verdade é que você apareceu ali, em meus pensamentos banais, enquanto eu tamborilava os dedos no volante, na espera infinita para que as luzes deixassem de ser vermelhas e voltassem a ser verdes. 

Você apareceu, de repente, inesperadamente, e consigo trouxe um sorriso que ligou as minhas duas orelhas numa máscara insolúvel de saudade. 

Lembrei de quando um dia dissemos um ao outro que seria para sempre. Mas o que sabíamos nós, não é mesmo? Nós éramos duas crianças brincando de infinito. Sob aquele sol escaldante, que torrava a nossa pele universitária enquanto escolheríamos as nossas fantasias para a festa daquela semana. Eu seria um soldado, ou qualquer coisa próxima disso; você seria Branca de Neve. Não teria como ser outra fantasia.

Mas não me entenda errado. 

Não é "deste" tipo de saudade que estou falando. Nós vivemos a beleza de um momento efêmero, passageiro, lindo e que durou a extensão e a dimensão que deveria durar. Fomos felizes juntos, você e eu; no tempo que aquilo durou, e nos amamos para sempre, no tempo que aquilo durou. Nos ferimos, claro, eu sei. Eu feri você. E espero que esse pensamento ainda não lateje em suas memórias velhas - acredito que não. 

Porque eu não o fiz de caso pensado. Fiz de caso impensado. Criança brincando de homem - acho que nunca despi a fantasia. Mas amei você, de verdade, e durante a duração daquele nosso tempo, você foi a mulher mais linda e importante da minha vida. E me fez muito feliz.

É "desta outra" saudade que falo. 

Uma saudade de querer bem. Etérea. Nós não nos falamos mais hoje em dia e talvez seja melhor assim. Algumas pessoas precisam permanecer, outras cumprem seu papel e se vão. Vivem eternas, intocadas, como memória. 

Não nos falamos mais por um conjunto de coisas. Escolhas, distâncias, tempo, mágoas, aquela miríade de acontecimentos, uma colagem de pedaços, caleidoscópio de eventos que nos colocou em direções muito opostas. Geográficas até.

Mas hoje eu pensei em você. É o que importa, realmente. E não quis deixar que esse pensamento, tão leve, tão bonito, tão frágil, voasse por entre os meus dedos. Decidi escrever sobre você. Guardá-la aqui, escondida entre essas minhas palavras, quase cifradas. O que mais importa, a única coisa que importa, é saber que você está bem; que é feliz, que se encontrou e vive a vida que merece viver. 

Você nunca lerá esse texto, eu sei disso. Mas não tem a menor importância. 

Minha querida, minha amiga querida, descobri hoje - repentinamente - que você ainda habita o meu coração. E que há um pedaço de você em mim, vivo, até hoje.

E eu a amarei até o fim.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

PARA VER E OUVIR: RYAN O'SHAUGHNESSY ("FIRST KISS")

ILUSTRANDO

A arte de Polly Forbes-Gower (via Zupi).




sábado, 12 de outubro de 2013

MOÇA INVISÍVEL

E no meio do caos que era aquele lugar, ele a encontrou. Disfarçada, escondendo-se nas sombras, onde a luz não a encontrasse, como um fantasma que deseja simplesmente se divertir. 

Ela não era especialmente bonita, nem especialmente bem vestida, nem queria chamar a atenção de ninguém, mas simplesmente o fato de ela se esforçar tanto em ser invisível foi o que capturou o olhar dele de forma incorrigível. 

Ela dançava sozinha, no mar de pessoas, mesclando-se, camuflando-se, como se coubesse atrás da garrafa que segurava na mão cheia de dedos compridos, ou do cabelo escuro e ondulado que guardava parte do seu rosto como uma máscara. 

Ele precisava saber quem era ela.

Os olhos fechados, o corpo sucumbindo ao transe da noite, da música, da multidão. O conforto daquela solidão anônima, onde ninguém se importa com o vapor, com o suor, com o choque de braços e pernas; de corpos exaustos de uma semana de trabalho que querem pura e simplesmente dançar.

E era tudo o que ela queria.

Ele se aproximou, vagarosamente, estudando-a de forma felina, sem querer assustá-la. Mas ela nem suspeitava daquela aproximação furtiva. E continuava, olhos cerrados, lábios acompanhando a música, cabeça ocasionalmente erguida sob as luzes frenéticas, entregando-se à melodia. 

E então, ao chegar bem próximo dela, ele percebeu a essência daquilo, o que a afugentava, a fazia buscar a sombra. O seu segredo. Uma cicatriz percorria o seu rosto, de um lado a outro, uma linha diagonal que narrava algum trágico momento de sua vida. E ela se esforçava tanto em escondê-la, sempre buscando escudos de cabelo para cobrir-se e voltar a ficar invisível.

Até que, num ato sem plano, destes em que o corpo age antes da mente ordenar, ele segurou a sua mão. Com delicadeza, percorreu os dedos pelo seu rosto, afastando o cabelo suado, comprido, os fios sedosos e escuros sendo cuidadosamente encaixados atrás de uma orelha pequenina. E ele podia sentir, na fisionomia assustada, nos olhos escancarando nudez, que ela fora pega de surpresa.

E antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, ele buscou os seus lábios entreabertos, preenchendo-os com silêncio. Abraçou o seu corpo, e ficaram ali, juntos, na eternidade da sucessão de melodias, dançando uma dança própria deles, alheios ao ritmo imposto pelo lugar. 

Ela apoiou a cabeça em seu ombro, envolvendo os braços frágeis em torno do seu pescoço, enquanto ele a embalava pela cintura. Pernas aqui, pernas ali, beijos sem planejamento, encontro de musculaturas, de pulsos, de sorrisos. Olhos fechados, música e batimentos cardíacos. Aquele cheiro de rosa e canela, que ainda habitava a sua roupa no dia seguinte.

De que importava aquela cicatriz, ele tentava dizer em seu ouvido, sem grande sucesso. Ao que ela respondia com um sorriso iluminado, um riso torto, de canto de boca, escondido como se fosse um tesouro para os mais audaciosos. Sua recompensa. 

A noite voava na carona dos ponteiros do relógio. E para ele, naquele seu momento mágico, ela era a mulher mais linda do mundo. O dia amanhecia, preguiçoso, enquanto ele se perguntava o que habitaria as portas por trás daquele encontro tão aleatório e especial. 

É que sempre lhe agradaram os seres quebrados. 

Como ele.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

VEM CHUVA POR AÍ...

"A menina que roubava livros" vai virar filme. Vem chuva por aí... 

DECLARAÇÃO DE AMOR



Um rapaz de Dublin decide revelar (ou quase isso!) uma paixão antiga (e secreta) por uma amiga, ao usar uma canção original, sua, para declarar o seu amor. Sem dúvidas, a audição mais emotiva que vi até hoje nesses vários programas de talento que existem por aí.

"Mas como ela vai saber que é para ela?", pergunta Simon Cowell, já que o rapaz reluta em revelar o nome da amada.

"Ela saberá", ele responde.

Lindo momento.

PARA VER E OUVIR: NITE JEWEL ("NOWHERE TO GO")


Como é que essa música não foi feita nos anos 80??

terça-feira, 8 de outubro de 2013

PARA VER E OUVIR: SLEIGH BELLS ("CROWN ON THE GROUND")

PEGADINHA GENIAL PROMOVE O NOVO FILME DE "CARRIE, A ESTRANHA"

ILHAS


Essa noite eu sonhei com você. 

Engraçado como isso se tornou algo tão rarefeito. Habitávamos duas ilhas vizinhas, pequeninas e solitárias, separadas por não mais do que algumas braçadas; mas havia algo em mim - algo íntimo - que não me fazia querer nadar. Eu entrava na água até a altura dos joelhos e fingia escutá-la, pondo uma mão atrás do ouvido. Você acenava do outro lado, como se me convidasse a imigrar. Mas eu permanecia no meu lugar, a água gelada lambendo a linha da minha cintura, observando o seu rosto que comunicava uma mistura de confusão e tristeza. 

Você acenava. 
E então acenava novamente. 

Mas a minha resposta final não deixava espaço para dúvida. Caminhei lentamente em direção ao meu lado, à minha praia, onde me deitei sob uma sombra, a areia fina arranhando a pele das minhas costas e o vento secando a água salina sobre o meu corpo. Até conseguia ouvir a sua voz à distância, longe, cada vez mais longe, como um barulho na rua que a gente ignora para voltar a dormir. 

Até não ouvir mais nada. 

Quando acordei entendi afinal o que eram aquelas ilhas. Bem como as braçadas de água que nos separavam.

Eu não gosto mais de você.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

PARA VER E OUVIR: SARA BAREILLES ("CHASING THE SUN")



"There's a history through her
Sent to us as a gift from the future, to show us the proof
More than that, it's to dare us to move
To open our eyes and to learn from the sky
From a cemetery in the center of Queens"

Ah, essa linda... 

terça-feira, 24 de setembro de 2013

PARA VER E OUVIR: NANA CAYMMI ("NÃO SE ESQUEÇA DE MIM")


Essa poesia  carregada no sangue, no DNA, só pode ser. O que é a voz desta mulher?

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

sábado, 21 de setembro de 2013

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

PARA VER E OUVIR: AZEALIA BANKS ("212 FT LAZY JAY")

OS REIS DO VERÃO

Cansado de um pai opressor e autoritário, Joe decide ir embora de casa. Não é apenas que ele decide "fugir" pura e simplesmente; ele vai para o mato, onde tem uma epifania: construir uma casa e lá, como um selvagem, reinar. 

Essa é a história do surpreendente "The Kings of Summer", filme de Jordan Vogt-Roberts e estrelado por Nick Offerman (o eterno Ron Swanson de "Parks & Recreation") e pelo talentoso Nick Robinson, no papel principal, o profundo menino Joe que, com apenas 15 anos, decide questionar todas as certezas da vida num plano determinado em inventar a sua própria (vale ficar de olho neste menino, que lembra um jovem Ryan Gosling).

Joe reúne dois amigos em sua empreitada. Patrick, seu melhor amigo - e responsável pelo ponto de crise na trama - e Biaggio, a fuga cômica da história. Juntos, os três desbravam a vida no mato onde, pouco a pouco (e ocasionalmente de forma artificial) se desprendem dos confortos da vida moderna até o momento em que é preciso separar quem realmente está levando aquilo a sério e quem encara tudo como uma brincadeira.

Patrick, Biaggio e Joe. Meninos "alérgicos aos pais" que desejam ser homens

A beleza deste filme habita não no seu roteiro que, em si, não oferece nada de surpreendente; mas nas pequenas coisas, nas entrelinhas, nos não ditos. "The Kings of Summer" é um filme sobre a inocência - e a sua eventual perda; é um filme sobre aquelas lembranças inesquecíveis, de um tempo perfeito que só nos damos conta do seu valor quando acaba, quando passa. 

É sobre a beleza de se ter 15 anos e acharmos que sabemos de tudo, que já compreendemos tudo. É sobre o sabor da liberdade que mora em nossos sonhos inocentes e que, quanto mais envelhecemos, mais a deixamos escapar entre os dedos. Até o ponto em que já quase não é possível enxergá-la.

"The Kings of Summer" é um filme belo, marcado por uma trilha sonora indie e uma fotografia muito poética que muito me lembraram os filmes de Wes Anderson. Um filme pequeno, com cheiro de nostalgia, e que muito me tocou a alma.

SÓ MAIS 5 MINUTOS...


Como "só mais cinco minutinhos" podem fazer toda a diferença. Lindo, lindo curta de animação que eu jamais teria descoberto não fosse o Chongas.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

A FLOR NO CONCRETO

"Eu acho que nunca aprendi a ser feliz", ela dizia, quase sussurrando, da sua janela insone. Os olhos úmidos, escondidos sob as mãos cheias de dedos finos e compridos. As unhas roídas, os pulsos finos. Os braços decorados por uma penugem que refletia a luz que invadia o quarto bagunçado.

E ele ficava ali, em silêncio, entre os lençóis desfeitos, observando a sua mulher. Disfarçando a sua própria tristeza. Ela era linda e frágil como uma flor de porcelana. A pele delicada, fina e branca como papel, os cabelos dourados despencando pelos ombros nus, as linhas daquele corpo magro de quem se alimentava tão mal. A voz rouca, sussurrada, e aquela dificuldade em concatenar os pensamentos, entrecortados pelo abdômen que parecia engasgá-la em angústia. Aquela alma triste, sua bailarina. 

Era era tão linda. Deus, ela era tão linda. E tão frágil.

Eles tentaram inventar uma vida naquele apartamento minúsculo, encravado no barulhento bairro boêmio, onde sustentavam aquelas certezas falhas de quem ainda está longe de completar 30 anos. Precisavam de tão pouco, pensavam, enquanto riam os seus sorrisos de vinho. Aqueles sorrisos raros.

Ela tentava, também. A dança que deixava aqueles pés imundos cheios de feridas. A música que a deixava em transe, quando ela não se importava em escorregar todas as lágrimas represadas. Ela tentava.

Havia também o crochê, os livros por terminar, a bulimia, a cocaína. Aquela alma fragmentada, em pedaços, desde o primeiro dia em que seus olhos pararam nela. Ele sabia, ele admitia - e lembrar de tudo aquilo era como um soco em seu estômago; as fotos espalhadas pela cama, os abraços, os sorrisos, perdidos no tempo. Ela era tão infeliz. Mas ela era feliz com ele, ele sabia. De alguma forma ela era.

"É como diz a canção", ela dizia, enquanto eles viam o sol nascer na janela. "O amor é o que nos destrói". E ele fingia concordar, abraçando o seu corpo pequenino contra o seu, beijando a sua testa, fazendo carinhos em suas costas, escondendo o seu choro. Aquele desejo desesperado, impotente, de curá-la.

De consertá-la. 

"Vamos ver os fogos de artifício", ela disse um dia, puxando-o pela mão. Subiram como crianças as escadas de ferro para o topo do prédio, os olhos arregalados diante do brilho que tomava o céu daquela noite qualquer. A vida era boa, naqueles minutos fugazes a vida era boa.

Abraçaram-se, por tanto tempo, como se tivessem desaprendido a descolar os corpos. Ela olhou nos seus olhos, fazendo carinhos em seu rosto. Um beijo úmido, um suspiro.

A verdade é que ele nunca entenderia ao certo a cadeia de eventos que unia aquelas lembranças. Mesmo após tanto tempo. Aquele ilusionismo terrível, onde o mundo vira de ponta cabeça com um piscar de olhos. Primeiro está ali; depois não está.

Ele lembrava de tê-la em seus braços, do aroma do seu hálito, do toque dos seus dedos em seu rosto e de ela mencionar a sua barba por fazer. Ele lembrava do seu casaco vermelho e da cintura entre as suas mãos. Ele lembrava, aqueles pensamentos rasgados, aquelas imagens órfãs, que vinham sufocar a sua garganta.

Ela era tão linda. Deus, ela era tão linda.

Ela só não sabia voar.                               

sábado, 7 de setembro de 2013

OS LADRÕES VESTEM PRADA

Chanel, Loubutin, adrenalina, tédio, cocaína. Não vou dizer que "The Bling Ring" é o melhor filme de Sofia Coppola. Não é; longe disso, em verdade. Aliás, não fossem algumas cenas emblemáticas (a típica cena de janela de carro), ou a trilha sonora excelente, talvez eu nem pudesse identificar. Quero dizer com isso que o filme é ruim? Longe, longe disso também.

Sofia está em casa aqui, quase literalmente. Tendo o universo da moda e do consumo como pano de fundo e unindo o realismo de "Somewhere" à extravagância de "Marie Antoinette", "The Bling Ring" (baseado em fatos reais) é uma mistura de drama e documentário sobre uma história real do passado recente dos Estados Unidos: um grupo de adolescentes ricos e entediados que decidem roubar as casas de celebridades. 

A trama é simples. Amigos de escola se unem e, ao compartilharem o tédio e a falta de perspectiva em suas vidas marcadas pela futilidade, cocaína e fotos postadas em redes sociais, decidem provar que são invencíveis ao invadir as mansões de celebridades como Paris Hilton e Lindsay Lohan. No caminho, inúmeras conquistas recheadas de sapatos, bolsas, jóias e relógios de marca. O que poderia dar errado?

O filme é narrado em flashback, com a gangue relatando a cadeia de eventos que os leveram à criminalidade. Todos inocentes, todos iludidos, todos trazidos ao crime por "más companhias". Mas não entendam errado. Sofia Coppola não pretende, em hipótese alguma, fazer um filme sobre moralidades aqui. Bem ao contrário. Por um lado, ela se delicia ao expôr uma orgia consumista permeada por uma trilha sonora animada quase inteiramente por hip-hop. Por outro, pretende escancarar o vazio da cultura atual nos Estados Unidos onde só há vida onde há notoriedade. 

Eles são jovens, bonitos e ricos. E decidem brincar com fogo, descobrido mais cedo ou mais tarde que o crime pode ser delicioso, mas nunca compensa

As meninas querem as bolsas, os vestidos e os sapatos caríssimos? Sim, claro, óbvio que querem. Mas não é apenas o objeto de desejo. É a adrenalina, a exposição, a celebridade dentro da celebridade, definida por uma frase genial quando uma das criminosas é interrogada: "O que Lindsay disse sobre mim?", ela pergunta ao policial quando este indaga sobre as invasões. É uma crítica velada, escondida sobre as cores e o brilho das marcas e do luxo, uma autópsia chique do estado atual de coisas. 

"The Bling Ring" é, possivelmente, o menor filme de Sofia Coppola. O menos poético, o menos marcante. Mas não menos importante. Ela está aqui, inegavelmente, em cada frame, cada plano, cada câmera lenta, cada reflexão juvenil, de quem não faz ideia do que fazer com a própria vida.

Como se Maria Antonieta estivesse num lugar qualquer, suicida, e simplesmente, perdida na tradução.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

terça-feira, 3 de setembro de 2013

ILUSTRANDO

August Macke - "Mulher de jaqueta verde"

PARA VER E OUVIR: JOHN MAYER FT FRANK OCEAN ("WILDFIRE")

domingo, 1 de setembro de 2013

DEZEMBRO

Após todo aquele tempo, aquela contagem sem fim de meses, anos; aquele tempo todo, passado, a conta perdida, lá estavam eles, novamente. Frente a frente, o grande salão separando-os pela distância de um punhado de passos. 

Entre eles, pessoas dançando, bebendo, jogando conversa fora, todos aguardando pelo minuto final, quando dezembro viraria janeiro e um novo ano se descortinaria diante dos seus olhos, feito mágica. A poesia do recomeço. A metáfora perfeita.

Olhavam-se, mas sem nenhum dos dois dar um passo. Orgulhosos, nenhum desejava demonstrar o sentimento da perda, que parecia brotar no elo entre os seus olhos. Aquele tempo, tanto tempo, perdido. Sorriam, discretamente; evitavam-se para então buscarem um ao outro. 

Cruzavam-se, fingindo não se verem, como se brincassem um jogo só deles, aquela energia voltando gradualmente, eletrizante, trazendo consigo os arrepios, as borboletas de abdômen, a adrenalina. Como se ainda fossem aqueles, de antes. 

De ontem.

Disfarçavam entretenimento na companhia de outras pessoas, numa taça de vinho, na contagem dos ponteiros do relógio. Ela caminhou até a ampla sacada, para ver as luzes da cidade, ele fingia interesse numa história que escutava. Ela então apoiou as suas costas na balaustrada, lançando um olhar de intimação. E ele respondeu com um aceno discreto.

A combinação de números no seu relógio dizia que menos de 3 minutos separavam o ano velho do ano novo. Ele sorriu, escondendo um suspiro. Surrupiou duas taças e uma garrafa de espumante, que parecia congelar os seus dedos. 

E seguiu até o encontro dela, como se saboreasse cada passo, como se caminhasse de olhos vendados por uma avenida movimentada. Como se houvesse um laço nos olhos dela, que o traziam prisioneiro. Sorria. Sorriam. Aquela troca de segredos sem verbo, eles que sabiam exatamente do que falavam.

E lá estava ela, exuberante, os cabelos longos cascateando sobre os seus ombros descobertos; aqueles ombros sardentos, aquelas constelações anônimas que ele havia batizado com beijos. Os olhos eloquentes, penetrantes, como os de uma princesa caçadora. A cintura envelopada num vestido elegante, de onde um decote discreto e provocante mexia com a honestidade de todos os homens naquela festa.

Na falta de definições mais elaboradas, a mais bela mulher na face da terra.

Lá estava aquele sol incandescente, o seu sol particular, e era como se ele sentisse derreter a sua pele de satélite. Sua pele indefesa, sua alma cativa, suas pernas, e braços, e olhos que novamente agiam por vontade própria, capturados pelo magnetismo. Aquela mulher imantada, seu amor infantil. 

Cumprimentaram-se, republicanamente. Para então cederem ao cumprimento verdadeiro, o que realmente queriam. Ele escorregou as mãos por sua cintura, apoiando o seu rosto no seu ombro, os olhos fechados, enuviados por aquele cheiro castanho, de coisa antiga, respirando em seu pescoço algumas palavras sem necessidade de conexão frasal.

Suspiravam, as mãos afagando com saudade.

Ela enroscou as pontas dos dedos por entre os fios cada vez mais prateados, que narravam cansados a história do que um dia também foi um cabelo escuro. E então segurou o seu rosto com as duas mãos, beijando a sua boca sem aviso, como se quisesse assegurar que ele não iria a lugar nenhum.

Sorriam, juntos, bocas que eram beijo e palavra sem asa.

As luzes começavam a ganhar as esquinas que os cercavam. Fogos de artifício e todo o tipo de grito e celebração. Primeiramente de forma contida, espaçada, para então a cidade inteira ser engolida numa chuva contagiante de virada de ano. Tudo novo, de novo.

Uma nova história começava a ser escrita ali, ela sussurrou no seu ombro, na carona embriagante daquele reveillon. Aninhou-se em seus braços, os olhos fechados, protegendo-se na noite.

Ficaram ali, por horas, trocando todo o tipo de confissão, relatando uma história pretérita, entrecortando palavras e bebida, perdendo a noção da noite que pouco a pouco começava a virar dia. 

O mar quebrava na praia, não longe dali. O som inconfundível das ondas batendo na areia.

"Feliz ano novo", ela disse, aquele sorriso ébrio, os olhos brilhando, o corpo comunicando entrega.

Ela só não sabia que ele não viveria nem mais um mês depois dali.

Mas de que valia esta história? De que valeria esta verdade, naquele dia que amanhecia salino e com sabor de lembrança? De que valia perder os dedos enrolados, como cadeados? O gosto do batom que se misturava à bebida, a pele arrepiada ao vento, o cabelo que vendava os seus sonhos, o corpo dela encostado no seu, enquanto o sol rasgava o horizonte. Procurando-se, afoitos, sedentos, saudades.

"Feliz ano novo". 

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

"SE PARTIRES UM DIA RUMO A ÍTACA..."


O lindo poema de Kavafis, recitado por Sean Connery e ao som de Vangelis. Emoção demais para este meu coração calejado.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

NÓ QUE NÃO DESATA


Mil vezes que eu veja a despedida de The Office, mil vezes fica o nó que não desata na garganta. Sem dúvidas, um momento inesquecível, como tantos deste seriado que é impossível dizer adeus.

SE É PARA SER UMA VEZ [E EM TEORIA PARA SEMPRE]


Não tem porque ser de outra forma...

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

DESCULPA PARA FALAR DE RUIVAS

Emma Stone
Emily Blunt
Kirsten Dunst
Scarlett Johansson
Kate Winslet
Hayley Williams
Jessica Chastain (essa criatura de outro planeta!)

BEN AFLECK? SÉRIO?

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

OS VESTIDOS FLORIDOS

"Você adoraria chegar num lugar, como as 'garotas bonitas' fazem; iluminando tudo ao redor, chamando a atenção, fazendo todos se apaixonarem. Mocinha, você é uma garota como eu e queria poder ser assim como elas, ao invés de se esconder sob o conforto das suas sombras no seu quarto. 

Acredite em mim, eu sei o que é isso.

Você tem a sensação de que é a garota mais feia do mundo e isso dói tanto... Mas antes de você trocar os seus vestidos floridos pelos saltos altos; para fazê-los gostarem de você, deixe eu te lembrar - só mais uma vez - que talvez você seja tão linda. E só você parece não ver.

Então confie em mim. E assim todos verão a menina linda que você é.

E quando você sentir vontade de culpar alguém, por nunca ser chamada para dançar; pelo desejo desesperado de dizer para todos o quanto você é amada, pense que um dia tudo isso terá ficado para trás. 

E o que restará?

No fim das contas, você contará nos dedos da mão os homens bons que conhecerá em toda a sua vida. E, entre esses poucos, apenas um bastará. Então não abandone os seus vestidos floridos; não os troque pelos saltos altos; só para fazê-los gostarem de você."

* * *

As lágrimas escorriam sinceras pelo seu rosto enquanto ela lia aquele fragmento de uma carta da sua mãe, perdido, abandonado dentro de um livro. Escrito, tantos anos antes, o papel envelhecido quase se desfazendo entre os seus dedos. Aquela caligrafia bonita, de coisa secreta.

Abraçou o seu marido, que acabara de entrar no quarto vazio, e se entregou ao conforto dos seus braços, acalmando o seu pranto. Não era apenas a despedida. Não era só isso. Não era o retorno repentino à melancolia juvenil, aquela síndrome de patinho feio que nunca virava cisne.

Era também o fato de a sua mãe ter escolhido não lhe entregar aquela carta.

Porque ela sempre soube. No fim das contas, ela sempre que soube que não precisava.

E ela sentiu falta daquela calma, como se um abismo a tivesse engolido.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

AH, EORZEA...

Para quë diabos eu fui te descobrir?


terça-feira, 20 de agosto de 2013

PARA VER E OUVIR: NERVO & HOOK N SLING ("REASON")

VALE PARAÍSO

O Sr. Mayer está de volta e, pelo visto, abraçou e se entregou por completo ao seu lado country. Esses tons já estavam ensaiados em "Born & Raised", que ainda permaneceu como um (quase) típico disco do John Mayer. Em "Paradise Valley", o rapaz atormentado pela crise de meia idade, pela saudade dos pais ainda vivos e pelos fantasmas de todos os corações que ele quebrou, ficou para trás, perdido - não esquecido - em algum lugar. Aqui, agora, ele está só. Caminhando num vale, contemplando a solidão de um pôr do sol, talvez na companhia do seu cachorro de braços abertos, pouco se importando com a ideia de quem ele é ou para onde está indo. "Estou aqui", ele parece dizer com esse novo - e belo - disco. Para ouvir da primeira à última faixa.

Uma faixa, por enquanto, em especial? "Dear Marie", sem sombra de dúvidas. Ah, e "I will be found lost at sea"

sábado, 10 de agosto de 2013

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

JORGE SENTOU PRAÇA NA CAVALARIA...

E eu estou feliz porque também sou da sua companhia. Just a note to self.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

terça-feira, 6 de agosto de 2013

A MAIS LINDA DE TODAS ESTÁ DE VOLTA

E terá 13 dias para encerrar a trilogia que narra a sua história. Lightning retorna em fevereiro de 2014 em "Final Fantasy XIII-3 - Lightning Returns".

domingo, 4 de agosto de 2013

A GRAVATA PRETA


Assunto: Descoberta

Você me pediu para te escrever algo bonito. "Escreva algo", assim você me pediu, como se as palavras fossem purpurina, que se joga sobre uma folha desenhada com cola onde magicamente uma imagem se forma. "Escreva algo", assim você me pediu.

"Deseja salvar o rascunho?".

"Sim."

* * *

O nome no jornal não deixava sombra de dúvidas. Abriu o armário, a porta empenada que há meses ele prometera consertar. Escolheu uma camisa branca e uma gravata preta. Seria adequado. A janela pintava tons apropriados de negro e cinza, emoldurando uma chuva fina e fria. 

Avisou a sua mulher que voltaria para o jantar.

Chegou ao cemitério já ao final do serviço. Não havia sido convidado, naturalmente. Não após tantos anos. Quantos? Perguntava-se. Não tinha ideia. 

Muitos.

Caminhou lentamente por aquele labirinto de saudades e esquecimentos, os seus joelhos artríticos chorando pelo seu esforço. A sombra dos prédios fazendo desenhos sobre as tumbas espalhadas como irmãs pequeninas. Aquele cemitério imenso. Aproximou-se do lugar, já quase vazio, as pessoas indo embora, pouco a pouco, até que não restou mais ninguém.

Apenas ele, de pé, diante daquela lápide, observando com uma mistura de cerimônia e incredulidade.

Ele a encontrou, afinal, pós tanto tempo. Ali estava ela. Aquele nome na pedra, que ainda lhe causava arrepio. Leu uma, duas, três vezes, para ter certeza que não era a sua mente lhe pregando peças como sempre fazia. 

Ajoelhou-se, depositando uma rosa solitária sobre a pedra, tocando a cova recente com carinho. "Hoje o meu chão é o seu teto", sorriu amargamente.

Tirou uma folha de papel de dentro do casaco, dobrada e úmida. Havia impresso naquele dia, aquelas palavras guardadas, escondidas sob o peso de décadas. Aquele rascunho de uma mensagem nunca enviada. Ela não merecia essas palavras, à época, pensou. 

Talvez nem as merecesse, então, mas um dia como aquele era para se fazer consertos. Melhor, para enfim desenrolar o novelo de uma história que eventualmente se transformou num fiapo, uma descostura, e não mais que isso.

Eram só aquelas palavras que haviam sobrevivido. Todo o resto havia se perdido na passagem dos anos. Apenas aquela mensagem havia sobrado, o único elo com um passado já tão embaçado em suas memórias desgastadas que ele nem conseguia construir concretamente a cadeia de lembranças de forma coerente. 

Ela havia importado. Era o pensamento que sobrava da confusão dos seus pensamentos.

Leu um punhado de vezes aquela carta sem destinatário. Suspirou, olhando para o nome engravado no mármore novo, rico. Imaginou que ela teria gostado. E com algum esforço, conseguia retratar o sorriso dela, encaixado naquele rosto bonito, que ainda habitava o porão da sua mente. E que, como uma caixa de saudades, ainda naquele dia fazia o seu coração bater mais forte. 

Ela havia importado, pensava, sorrindo. 

Ali, sob a grama molhada, estava uma mulher que ele nunca conheceu. Uma senhora, enterrada entre as lágrimas e despedidas de filhos, netos, amigos. "Espero que você tenha feito valer a pena, meu bem". Sentia os olhos úmidos, não por causa da chuva fina. "Que você tenha vivido plenamente, que tenha amado, que tenha deixado algo". 

Ali, sob a grama molhada, estava uma mulher que ele nunca conheceu. 

Porque a menina dos seus olhos, a que o fazia rir e soltava as borboletas do seu abdômen, viveria para sempre no canto dos seus sorrisos sinceros, quando ele era visitado por lembranças repentinas, ou quando acreditava tê-la visto cruzando alguma esquina. Ela estava em todos os lugares que ele olhava. E em nenhum.

Levantou-se, com dificuldade, os joelhos rangendo pelo esforço. A tarde daquele dia de dezembro desaparecendo sobre os seus ombros molhados. Tocou a lápide pela última vez.

"Adeus".