domingo, 20 de janeiro de 2013

BEATRIZ E A DÚVIDA

Ela despertou na madrugada com um susto. Aflita, o coração galopando em seu peito. Observou os números que brilhavam feito verde neón ao seu lado: 4:45, 4:45, 4:46. Sentou-se na cama, os pés quase encostando no assoalho frio. Apoiou o rosto em suas duas mãos, respirando fundo, tentando se acalmar. Já não se lembrava mais como era ter uma noite de sono contínua. Parecia um sonho impossível.

Observou por alguns instantes o seu marido dormindo profundamente. Aquela respiração pesada, suas costas arqueando em movimentos longos. Virou-se para lhe acariciar as costas, mas havia um magnetismo que a impedia de fazer isso. Quando menos percebeu, tinha os punhos fechados e um desejo quase incontrolável de sufocá-lo com o travesseiro.

"Meu Deus, estarei enlouquecendo?"

Caminhou lentamente em direção ao banheiro. Acendeu a luz, encostou a porta e observou-se no espelho. O peso dos anos, ali tão evidentes num corpo acordado no meio da noite. Os cabelos desgrenhados, povoados de fios grisalhos. Os olhos cansados, linhas marcando o seu rosto. A pele mais flácida, os quilos que vieram com o tempo e nunca mais a abandonaram. Acariciava-se, como se pudesse confortar a si mesma naquele miasma de angústia que parecia engolí-la. 

Sentia a água gelada molhando a sua testa, escorrendo pelos olhos, umedecendo seu cabelo. Queria ficar ali para sempre, apoiada na pia. De olhos fechados, imaginava-se com 20 anos, tomando banho de cachoeira, rindo a plenos pulmões com as suas amigas. Imaginava-se jovem, longe daquela vida, alheia aquelas decisões, àquela rotina que a fazia desaparecer a cada novo dia. Como Veneza, pensava. 

"Estou submergindo".

Foi em direção à sala. Sabia que não voltaria a dormir mais. Faria café, veria o sol nascer. Como fazia há meses. Parou alguns instantes na porta do quarto do seu filho. Abriu vagarosamente para não acordá-lo. E ele estava ali, sonhando, inocente, feliz. Aquele quarto de heróis e esportes, de animais da savana e livros que ela nunca havia conseguido ler para ele. Por falta de tempo. Ou de vontade.

A luz da rua brincando de tapeçaria. Os brinquedos espalhados pelo chão, o seu peito arqueando, vagarosamente. Sentiu desejo de abraçá-lo, enquanto enxugava uma lágrima solitária que escorria do seu rosto. Mas também sentia raiva de si mesma, uma raiva visceral, porque sabia que se pudesse voltar no tempo gostaria de não ser mãe. 

"Onde me perdi no caminho?"

Amarrou o robe, voltou a caminhar pela sala, observando os detalhes daquela casa que já não reconhecia como sua. Os porta-retratos, os quadros na parede, os utensílios de cozinha, objetos que havia ganhado como presente de casamento e que ainda estavam ali fechados, inúteis, patéticos. Como aquele dia que pouco a pouco se apresentava no horizonte.

Sentou no sofá e deixou-se afundar nas almofadas. Pensou em nuvens, em areia movediça, em histórias de capa e espada, de heróis e princesas, de um tempo em que acreditava que seria raptada e levada num avião monomotor para um reino distante. Abria os olhos e lá estavam as paredes imóveis, o tapete, as cortinas, as contas que deveriam ser pagas. Voltava a fechar os olhos, querendo desaparecer.

Continuava lá.

Pensou no seu plano de fuga. Deixaria somente um bilhete vago, para não ser encontrada. Lembrou do tempo em que escrevia, dos seus poemas, do tempo em que convertia sua dor em arte. Havia esquecido os caminhos daquela alquimia como, de alguma forma, também havia esquecido de quem era. Sim, uma boa mãe, uma boa esposa, uma profissional reconhecida.

"Mas quem sou eu?"

Rabiscou um punhado de palavras no papel. Com tom de despedida, "sei que vocês compreenderão", e então amassava a folha, arremessando-a na lata de lixo, como basquete. Avaliava, fazia contas, matemáticas emocionais, materiais, físicas e metafísicas. 

De repente, como numa brincadeira consigo mesma, via-se sozinha, sem filho nem marido, nem ninguém, caminhando anônima numa rua qualquer de uma cidade sem nome. Sorria, sentia uma felicidade obscena, uma alegria que parecia romper o seu peito. Uma ansiedade. Não conseguia evitar pensamentos mais tenebrosos, também, claro, mas rapidamente fugia deles como se passasse uma borracha em sua mente. 

"Não, isso não. Isso jamais".

Era difícil explicar, para si mesma, aquela tristeza, aquele vazio, aquela melancolia absurda. Aquele abismo. Ela era uma boa mulher, sabia disso. "Eu era tão especial". Sentia-se prisioneira de um destino do qual não conseguia se desvencilhar; como se estivesse pagando uma pena. Como se odiasse cada centímetro daquela vida. Sabia, em verdade, que as coisas não eram exatamente assim e que havia alguma felicidade, claro que havia. Sempre há. Mas era aquela felicidade superficial, aquela maquiagem que esconde o mofo, aquele choro engasgado sob o riso. 

Lembrava de coisas felizes. Suas fotografias mentais. Alguns ex-namorados, amigos que acabaram desaparecendo, viagens, vestidos em que coube um dia. Os olhares, o desejo. "Eu era amada". Olhava para as pontas dos seus dedos, pensava em versos de músicas e em cartas de amor. Talvez não houvesse o destino ideal. Deve ser algo de filme ou de best-seller. Conformava-se.

De pé, na cozinha, de costas para a sala, ouviu o seu marido acordar. O barulho da televisão denunciava que o seu filho também havia levantado. Aquele bombardeio de perguntas e pedidos, de demandas, de coisas que ela tinha que fazer. Aquela lista de tarefas que ela deveria resolver, sozinha, naquele novo dia.

Concordava, em silêncio, de costas. O café aquecendo a palma das suas mãos, o líquido quente descendo pela sua garganta, impedindo-a de gritar. Enxugou o canto dos olhos, beijou seu filho, despediu-se do seu marido e suspirou ao ouvir o barulho da porta fechando atrás de si.

E então refletiu, com a mão sob o queixo, se deveria primeiro ir ao supermercado ou à lavanderia.

Um comentário:

Anônimo disse...

texto maravilhoso,voce captou com pena afiada as dores de uma mulher infeliz.Bravo!