quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

SÃO PETERSBURGO

O cinzeiro no chão transbordava com cigarros de todos os tamanhos e idades. Aquela pilha de pensamentos transformados em fumaça, com mais e menos longevidade. Breves como suas ideias fugazes. 

Olhava para o teto, respirando profunda e lentamente; imóvel, sobre a cama desfeita.

Os pratos acumulados na pia ecoavam uma sinfonia com cada gota que despencava da torneira. Bum, Bum, Bum, Bum. Aqueles trovões impiedosos no apartamento silencioso, tomado por sombras e frio. 

Assoviava. Sabe Deus por que razão.

A janela comunicava a passagem do tempo, seus olhos cansados como telespectadores dos ângulos perfeitos que o sol ía projetando nas paredes do começo ao final de mais um dia. Até as paredes voltarem a esfriar e o céu ser salpicado de estrelas. 

Uma destas estrelas... alguma, entre estas estrelas, há de ser a minha.

Copos e taças decoravam a casa num tema meio fúnebre, meio mórbido, com ar de coisa abandonada. As manchas de vinho e café nos móveis de madeira, adornadas por migalhas de pão tão velhas como as cinzas derramadas do chão. 

Caminhava de pés descalços, lentamente, sem pressa alguma, até apoiar os cotovelos na pequena janela da sala, de onde contemplava um jardim comunitário abandonado. Havia uma história ali, parecia, esquecida, perdida no tempo. Deveria haver.

Não se recordava, com precisão, a última vez que havia comido alguma coisa. Realmente, verdadeiramente. Lembrava-se disso todas as vezes que percebia as calças escorregando-lhe pela cintura, fazendo-o equilibrar o pano fugidio com uma mão enquanto a outra lhe alimentava mais um cigarro.

Olhava-se no espelho, aqueles olhos sulcados, profundos, exaustos. Sentia como se estivesse desaparecendo. Tocava o seu rosto, esticava a pele das bochechas, aquela pele solta, seca, que parecia descolar no contorno do seu maxilar, feito uma máscara de resina. 

Jogou-se na cama, aquele peso do mundo fazendo-o desabar. Foi quando notou algo estranho. Um fiapo, projetando-se do dedão do seu pé; como um pelo, mas grosso, negro e comprido. Melhor, como um barbante.

Esticou a mão e puxou-o, surpreendendo-se com a extensão do fio que surgia magicamente sob a unha. E então espantou-se ao notar que seu dedão desaparecia junto com o barbante, como um pano sendo desfeito. 

Assustou-se. Interrompeu o ato por alguns instantes, mas algo mais forte que ele o impeliu a continuar. E então ele o fez, esticando metros e metros do barbante que já ía se acumulando ao seu redor, como um novelo de lã desfeito enquanto as suas pernas já não estavam mais para serem vistas.

Pensava no absurdo que era aquele desenrolar do seu corpo; aquele desfazimento. 

Meu Deus, estou desaparecendo. Estou realmente desaparecendo. 

Continuou e continuou e continuou até que já quase não lhe sobrava mais nada a não ser o gesto, o ato, a descostura. Lutava desesperadamente por um último pensamento, antes de sumir.

Preciso lembrar de algo, uma última memória. E então foi atravessado por aquela lembrança perdida, completamente esquecida, flutuante no seu imaginário de coisas inúteis.

"Você deve mexer a cintura, meu bem, não os seus ombros", a velha prostituta sussurrava em seu ouvido.

Nem música, nem poesia, nem sensações perdidas. Nem livros, nem filmes, nem sabores, nem sorrisos. Apenas as sardas daquela mulher anônima e aqueles olhos cor de limão, gigantes como os de um gato. Ele deveria mexer a cintura, não os seus ombros. Era isso, afinal, o que lhe restava.


O sol se punha mais uma vez na janela, dando lugar as estrelas que timidamente começavam a cintilar. E o quarto solitário foi então tomado pela penumbra, onde um caracol gigantesco serpenteava a cama num emaranhado de voltas cor de carvão.

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