sexta-feira, 26 de abril de 2013

A ESFINGE

A saliva secava, escassa, quase venenosa em sua boca, enquanto ele caminhava sozinho por aquele mar de areia dourada. Aquele oceano sem fim, seu clichê de cowboy. Os pés afundando, algumas vezes quase até a altura dos joelhos, e o sol corroendo os seus pensamentos ao limiar da loucura.

No horizonte, cada vez mais pequenino, seu monomotor começava a desaparecer; apenas o fio gris de fogo e fumaça marcando a direção do seu acidente. O suor despencava, licoroso, pelo seu rosto, ensopando a sua camisa e cegando-o com gotas inoportunas que cascateavam quando ele corria os punhos sobre os olhos.

Ele lamentava ter ido para a Índia; tê-la deixado esperando; tê-la abandonado...

Talvez fosse o seu castigo.

E ele caminhava e caminhava e caminhava sem chegar a lugar algum. Mas, então, algo. Um vulto, perdido, no horizonte. Uma silhueta sem forma que, rapidamente, transformou-se em farol. Ele apertou o passo, tropeçando e despencando sobre si mesmo, para então recuperar o compasso enquanto corria rumo ao seu objetivo beduíno.

"Após a queda...", ele pensou. "a salvação".

Cada vez mais próximo, depositou a mão direita sobre a testa, como uma viseira, numa tentativa de enxergar melhor e percebeu que havia uma mulher ali. Solitária e silenciosa, observando-o, acocorada sobre as ruínas de um casebre, quase rapina.

Séria, em trajes cerimoniais, um longo vestido feito de retalhos e faixas multicoloridas que dançavam no vento, ela ostentava uma beleza etíope, com olhos felinos gigantes, amarelos e impiedosos, e o cabelo oleoso trançado atrás da cabeça; algo de nobreza, algo de caçadora, algo de bruxa. 

Ele se aproximou, vagarosamente, como um animal ferido, depositando-se de joelhos sob a mulher. Sentia-se um pássaro de asa quebrada, suplicando por misericórdia.

"Água...", ouviu-se dizer numa voz fugitiva. "Água"

Ao que a mulher lhe deu as costas, pulando para o chão, e caminhou na direção contrária, ostentando um caminhar sensual que parecia atraí-lo, como uma sereia, a cintura mexendo feito serpente.

Imediatamente ele se percebeu levantando, o vigor retornando às suas juntas, e lá estava em marcha atrás da mulher misteriosa. Seguia, pisando sobre as suas pegadas, sentindo um perfume de canela, azeite e limão que ela deixava no vento, como rastro.

Ocasionalmente, ela se virava para ele, oferecendo um meio sorriso, um olhar desenhado, negro, egípcio, e um punhado de dedos longos e unhas compridas, como se quisesse lhe dar a mão. Mas, quando ele corria para segurá-los, rapidamente ela os guardava, e ele tinha a sensação de que ela se divertia ao fazer isso. 

O sol continuava a castigá-lo, mas não o impedia de seguir em frente; mesmo com a sensação desesperadora de estar sendo engolido pela areia cruel, sendo cozinhado vivo sob a sua pele, já despido de pensamentos concretos.

Enão ele percebeu que andavam em círculos, sem propósito, sem chegar a lugar algum. E, de fato, a mulher parecia se deliciar daquilo. Rindo, indiferente ao calor escaldante, corrosivo, que o debilitava a cada segundo.

A mulher não demonstrava cansaço algum, pelo contrário, parecia fazer daquilo um esporte. E continuava puxando-o, quase arrastado por uma corrente invisível, navegando aquela água amarela que começava a destruir o seu corpo.

"O que você quer de mim?", ele indagou, os lábios rachados e os olhos semi-cerrados.

Ao que ela parou imediatamente, ajoelhando-se à sua frente.

"Achei que você não fosse perguntar nunca", disse, o hálito penetrante inebriando seu rosto com uma névoa salina que comunicava algo violento, antigo e místico. E, de alguma maneira, sexual.

Ele permaneceu parado, sem compreender.

"Um teste", ela sorriu. "Proponho um teste".

Ele continuou em silêncio.

"Suceda, e você estará livre".

"E se eu fracassar?", pensou, mudo, mal mexendo os lábios.

"Eu comerei o seu corpo", disse, a mão gentilmente posicionada sob seu queixo. E então indagou, triunfante:

"Um burro vagueia pelo deserto, morrendo de fome e de sede. Encontra, então, e ao mesmo tempo, uma tigela de água e um monte de feno. Indeciso, ele reflete se deve matar a fome ou a sede primeiro".

Virou-se para ele, novamente: "E então, o que escolhe o burro? Água ou comida?"

Os dois continuaram caminhando, por horas sem fim, o céu ganhando tons lilases e marinhos, então negros, e então carmesins, e então amarelos de novo, salpicados ora por nuvens ora por estrelas, num balé torturante. Seguindo em marcha para um destino sem nome.

"Fome ou sede?", ela interrompia os seus pensamentos, "fome ou sede"?

"Eu não entendo", ele murmurava baixinho, "eu não sei".

E a mulher gargalhava, o rosto virado para o céu, saboreando o sofrimento do seu cativo. E voltavam a caminhar em círculos até ele contar ter visto os destroços do seu avião por mais vezes do que os dedos das suas mãos podiam contar.

E então ele entendeu. Enfim, entendeu.

Puff. Joelhos batendo no chão. Puff. Rosto afundando na areia.

E, antes de sucumbir no mais doce dos sonhos, ouviu um grito desesperado que ecoou pela areia, reverberando o espaço como uma tempestade, uma sirene que poderia ser ouvida em todos os cantos do mundo. A mulher agarrou-o, puxando-o de sua cova enamorada, e ele sentia garras dilacerando a pele da sua cintura.

Abriu os olhos para ver a criatura, gigante, as asas abertas como dois pavilhões de penas douradas, braços e pernas cobertos de manchas felinas e um rosto que era inteiro uma máscara de terror.

Ele sorriu, fechando os olhos pela última vez, sentindo-se despencar novamente na areia, sua carcaça sem utilidade, inadequada para uma refeição; a mulher-ave rodopiando no céu sobre ele, como um corvo inconformado.

E gritando e gritando e gritando.

Ao que o seu corpo mergulhou, na imensidão de uma água de cobalto sem fim. E então o silêncio.

Ele havia vencido a esfinge.

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