quarta-feira, 3 de setembro de 2014

ASSUNTO: A MINHA CONFISSÃO


Sempre houve algo tão feminino ao seu respeito. Tão frágil, tão misterioso. Eu acho que já havia me apaixonado por você desde o primeiro segundo, essa é a grande, fatal e inegável verdade. 

Eu me pego lembrando das coisas mais banais; como você vindo me buscar no trabalho, no meio do dia, para comermos um sanduíche rápido, numa esquina qualquer. Você descia da direção do seu carro, a chave ainda na ignição, e sem dizer nada se sentava no banco do carona. Eram coisas assim; era esse tipo de coisa que você fazia. Sempre tão feminina. Você fazia meu coração em pedaços, todos os dias. Mas ele se refazia, na madrugada. E lá estava eu, te esperando, novamente, no dia seguinte.

Que raio de vida é essa que cria essas histórias incoerentes que temos que seguir, dançar conforme a música? Que papéis são esses que a gente precisa desempenhar, sem reclamar? Quem está dirigindo isso aqui?

Mas eu apenas sorria, enquanto ouvíamos a música que você queria me mostrar, o ar-condicionado deixando os pêlos do seu braço arrepiados, você observando a janela, perdida nos seus pensamentos curiosos. 

"Deus, como você é linda". 

Eu controlava a minha vontade - aquele desejo desenfreado de segurar na sua perna, de acariciar o seu cabelo no trânsito lento, de beijar a sua boca, de olhos fechados, até uma buzina me despertar do transe. 

Pensamento desfeito no ar, feito mágica. 

E eu permanecia com as mãos em posição segura, 10h10, sem cometer deslizes, sem romper barreiras. Brincando de ser cavalheiro, dilacerando a minha alma, afogado no perfume do seu corpo, na imagem do seu cabelo moreno amarrado num rabo preguiçoso, no retrato do seu rosto refletido no vidro. O seu sorriso gentil, a pele suave, os gestos delicados, o seu cheiro. 

Há quanto tempo a gente se conhece? Nem eu sei responder. Não tenho registro de um tempo órfão da sua presença. É sempre você, sempre você, ali, estampada em cada fotografia mental. Porque você não habita nenhum centímetro de uma memória coadjuvante. Por trás das cortinas fechadas, dos meus olhos noturnos, você é a estrela.

Cadente. Incandescente.

E então desapareciam aqueles minutos fugidios. E lá estava eu, "são e salvo!", de volta ao trabalho. Você sumindo na esquina, eu caminhando a passos lentos de volta para o prédio, o seu beijo inocente latejando no canto do rosto, feito queimadura recente. 

Toco a minha pele e você está ali, vibrando; como tatuagem.

Há tanta coisa errada ao seu respeito que chega a ser cômico, eu penso. Suas manias, suas ideias bizarras, sem pé nem cabeça; seus planos indecisos de dominar o mundo ou fazer bolo de chocolate. A forma como você defende os seus ideais. Os seus gostos que, ora se encaixam nos meus como chave e fechadura, ora parecem óleo e água. O seu humor afiado, impiedoso. Seus olhos felinos que tiram as minhas armas. Você, que me pacifica. 

Mas então chega o primeiro raio de sol na minha janela insone e ele me diz, todos os dias, a mesma coisa: para mim, você é perfeita.

"Você realmente vai se casar com ele?", eu te perguntei, sem cerimônia. Os seus olhos escancarados, sem reação. A sua boca entreaberta, ainda em busca de palavra. A água da chuva despencando sobre as nossas cabeças, escondendo a minha fragilidade.

"É isso mesmo que você quer?"

Você me beijou, pelo que pareceu uma eternidade; as minhas mãos enlaçadas na sua cintura molhada, sentindo o seu corpo por baixo do vestido. E desapareceu assustada, feito conto de fadas às avessas. E assim perdemos o caminho de volta um para outro. Eu compreendi que você fez uma escolha. Mas essa é uma dor com a qual eu não quero mais conviver. E é por isso que eu estou indo embora, para o outro lado do mundo, sem deixar vestígio. Nem rastro, nem sombra, nem endereço, nem aviso. 

Você foi a coisa mais linda que aconteceu na minha vida. E esta é a memória que eu escolhi guardar. A minha confissão, afinal; eu te amo, com a alegria inocente de quem recupera algo perdido. E eu te carrego comigo, neste coração rasgado por cicatrizes, que será, até o meu último dia, o seu lar inquestionável.

Seu, eternamente.

* * *

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