terça-feira, 28 de outubro de 2014

NEM TODOS ESTÃO


Eu confesso que perdi o paladar para filmes românticos; não tenho mais paciência; aquilo lá não me atinge mais. Talvez eu tenha ficado amargo demais - ou os acontecimentos da vida tenham me levado a isso. Não sei. 

O fato é que, há algum tempo, algo em mim se perdeu e a verdade é  que eu também não me dei o trabalho de buscar de volta. Um último bastião de inocência simplesmente morreu. Não me tornei avesso ou alheio ao romance, porém, mind you. Ainda bate um coração no meu peito gelado de lata. 

Apenas mudei a frequência, ajustei a sintonia. Passei a enxergar o amor sem os filtros do Instagram; o amor possível, o que existe, real, despido de toneladas de expectativas, exigências, arbitrariedades. O amor sem fascismo, que se permite respirar, ser falho, ser imperfeito, sem conto de fadas. O amor que é cúmplice, que equilibra desejo, aventura e as contas que chegam no final do mês. Como parte deste caos que é viver.

E, ainda que haja uma melancolia em abrir mão dessa forma de enxergar as coisas, há também um sentimento tão libertador, como voltar à superfície após um longo mergulho. Como Alice, tomando o remédio. "Agora eu vejo", portanto, "agora eu sinto".

Essa reflexão superficial, metida à filosofia de bar, é apenas fruto da minha relação recente com filmes que antes eu guardava como partes preciosas de mim. E que os vejo perdidos, cada vez que tento revê-los. Me vejo em estado de luto ao tentar acompanhar essas histórias que um dia representaram tanto; funerais sequenciais, faço eu, todas vezes. Chega a ser ritualístico; respiro fundo e me pergunto: 'será que este sobrevive?'. A resposta, quase sempre, é 'não'

Mas eis que o Netflix arremessa 'Serendipity' desavergonhadamente na minha cara. Nem tive a chance de acompanhar a trajetória; ele simplesmente estava lá, escancarado, me obrigando a apertar play. O último filme que faltava, aquele que eu resiti corajosamente em rever; eu simplesmente não queria ter que enterrar 'Serendipity', seria triste demais. 

A boa notícia é que ele sobreviveu. E ainda que o romance entre Sarah e Jonathan não me comova mais, necessariamente, percebi que a narrativa ainda me seduz. E que, mesmo embreado no miasma da minha amargura relacionada ao amor idealizado, ainda me pego torcendo por eles; e ainda sinto um esboço de engasgo sufocado na garganta, quando John percebe o nome e o telefone da Sarah na cópia de "O Amor nos Tempos do Cólera"

Nem tudo está perdido, afinal.

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