quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

11:11


Ele caminhava, sem muita atenção, aliás como lhe era habitual, pela rua. O sol forte de quase meio-dia fazendo-o cerrar os olhos, feito beduíno; a roupa levemente marcada pelo suor do dia quente, algumas ideias, algumas questões martelando a cabeça. Coisas da vida, de trabalho, de adulto. 

Sinal vermelho, pedestres autorizados a atravessar a rua. E lá foi ele, rumo à outra margem.

Então, no meio do caminho, uma surpresa que mudaria para sempre a sua vida. Ele se viu, ali, atravessando no sentido contrário. Quer dizer, não era exatamente ele, como um reflexo no espelho. Mas uma espécie de "ele de 10 anos atrás"; ele reconhecia o corte de cabelo, o par de óculos, a roupa, a bolsa surrada, o tênis predileto. Sim, aquele ali, também atravessando a rua sem dar muita atenção, era ele. 

Cruzaram-se, contemplando-se por uma fração de segundos que durou uma eternidade sem fim; estudando-se, desenhando-se com o olhar, sentindo uma familaridade que parecia socá-los os estômagos. 

"Sim, somos nós. Eu e você", pareciam conspirar, enquanto atravessavam a faixa de pedestres.

O rapaz seguiu seu caminho, a cabeça torta, para trás. E ele permaneceu ali, sem saber ao certo como lidar com tamanha metafísica. Sentiu o peso das lágrimas sob os olhos, vontade de retornar, abraçar a si mesmo, aquela cumplicidade, aquela fragilidade que só eles dois testemunhavam. 

"Eu sei de tudo", ele pensava com seus botões. 

Queria poder instruí-lo. Ensiná-lo sobre os buracos no caminho, os perigos na curva, tudo o que ele devia apreciar e o que devia deixar para trás. Alertá-lo sobre as coisas. Seria errado, pensou. 

Teve vontade de acenar. Cumprimentar. Mas atravessou, parando do outro lado da rua, enquanto o seu eu 10 anos mais jovem continuava o caminho, rumo à esquina. Olharam-se, uma última vez, por alguns instantes. Uma despedida sem palavras, um olhar vago, levemente amedontrado. E então desapareceram, um para o outro, para sempre.

"Você fez bem", disse o homem atrás dele, a mão levemente posicionada sobre o seu ombro. "Teria sido um erro, sem dúvidas". Ao que ele se virou, sem espanto, já tendo reconhecido a voz no seu ouvido. O seu eu, 10 anos mais velho. 

Sorriram. Quanta metafísica pode caber em tão pouco tempo? Era difícil responder.

"Terei um bom dia?", perguntou, com um riso de canto de boca, já antecipando a resposta.

O homem o olhou, por alguns segundos, as pequenas ruelas encravadas ao redor dos olhos, os cabelos levemente prateados, um sorriso torto, como o seu.

"Para quê estragar a surpresa?"

Abraçaram-se, sob o sol escaldante. 

E foram embora.

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