segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

FIM DE CASO


Eu ainda me pego lembrando, como se fosse ontem. Sabe-se lá por quê.

Os meus olhos abertos, escancarados, sob o teto daquele nosso quarto de hotel, anônimo, aquela última noite. Definitivamente, aquela última noite. A sua respiração curta, profunda, ao meu lado. Seu corpo nu, entorpecido; seu sono inocente. 

Mas era eu quem não conseguia dormir, ali, com a cabeça martelada sobre o travesseiro, escorada sobre o peso dos meus pensamentos - ou arrependimentos; eu começava a meditar, acompanhando com os olhos as luzes dos carros que cortavam a janela.

Foi quando senti vontade de ir embora. Um impulso, quase incontrolável, de vestir a minha roupa, espalhada no chão e fugir, de uma vez por todas. A verdade é que eu já não entendia ao certo o que eu ainda estava fazendo ali.

Nem quem era você, ali, dormindo do meu lado.

O meu maior engano foi ter [te] achado. Achado que eu havia te encontrado. Isso nunca aconteceu. A menina dos meus olhos nunca esteve ali; ela ficou, passada, presa num tempo perdido. Aquela mulher, adormecida do meu lado, não era ela. Era apenas... você. 

A menina dos meus sonhos só existia nas minhas memórias. Ela era imaterial. Feita de lembrança, de cheiros, sons e toques envelopados por pensamentos carinhosos de coisa que nunca foi. Aquele cabelo negro, solto no vento, espalhado feito as letras trocadas sem propósito, a gente brincando de se apaixonar. Os olhos de sonhadora, as palavras de criança, o toque de mulher.

Ela estava em algum lugar, para sempre distante do meu toque, exilada; olhando o mar, os pés descalços lambidos pela água, pela areia, o vestido voando feito bandeira. A menina dos meus sonhos era constituída desta matéria sem forma, feita inteiramente de "e se"s.

E você não era mais ela.

"Eu não sei quem é você".

Longos suspiros, insones, angustiados. E então um alarme estridente, violento, um chamado à fuga. 

"Você precisa ir", você me disse sem muita cerimônia.

"Sim", consenti com os dedos enrolados pelos cadarços do sapato. "Eu vou".

O dia ainda trocava de cor, enquanto eu dava partida no carro coberto de orvalho. Fugitivo, Romeu às avessas, entorpecido pela noite sem sono; o cheiro do seu corpo espalhado, misturado no meu. O gosto da sua boca ainda vivo na minha.

Nosso fim de caso melancólico, burguês, sem inspiração. Diluído no café amargo, nas horas preguiçosas de um dia de trabalho sem fim.

Sem deixar vestígio, nem marca, nem saudade. Apenas estes pensamentos, meio órfãos, que ainda insistem em vir me visitar.

Sabe-se lá por quê.

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