domingo, 13 de setembro de 2015

MOÇA DE OLHOS TRISTES


Esta noite eu sonhei com você.

E ao acordar, como todas as vezes, fui tomado por um sentimento quase sufocante de "e se". Porque o nosso encontro foi um grande desencontro e, ainda hoje, principalmente quando você invade os meus sonhos de forma repentina, eu me pego pensando como teria sido... 

Como teria sido se, realmente, tivéssemos tomado um caminho diferente. Se eu tivesse feito algo diferente. A verdade é que tive a infelicidade de te conhecer numa hora estranha. Quando não havia nada de real dentro de mim, apenas a fachada, a casca, a minha melhor máscara social. 

Você me conheceu executando ações, como se eu estivesse programado. Sorriu para os meus sorrisos, jogou conversa fora comigo pela manhã. Eu sentia vontade de tocar a sua mão, de oferecer algo mais concreto do que um flerte inocente; de te fazer um convite, uma proposta, te sequestrar. Reinventar a vida com você. 

Não era possível. Eu queria, acredite. Não era possível.

Lembro como ontem dos nossos olhares se encontrando no meio da multidão, em um de tantos momentos em que meus pensamentos eram sitiados pela dura realidade, e eu sei que estava claro para você que havia algo errado comigo naquele momento. A gente se olhava, de longe, e eu sei que você percebia. E isso também nos afastou - um mecanismo de defesa, talvez. Sabe-se lá de onde você também vinha até nos encontrarmos naquela improvável encruzilhada do destino.

Mas nada disso impedia que eu te seguisse, ao meu jeito, sem dar pista. E criasse situações aleatórias em que eu pudesse estar perto de você, mesmo que por alguns minutos breves. E inventasse desculpas para puxar assunto, e te fizesse elogios que não me entregassem. Sentando ao seu lado, apontando na janela, nós dois, feito duas crianças sem jeito. Havia algo entre nós dois. Eu sentia. 

E eu sei que você sentia também.

O fato é que seguimos caminhos opostos - e até hoje me pego pensando. A sensação desesperadora de perder algo de que nunca se teve posse. Você. Você por inteira, íntima, entregue, beijos, corpo e alma. 

Nada disso. Somente pensamentos, somente ideias que vão perdendo o verniz com o tempo, transformando-se hoje em sombras de memórias que nunca existiram. Eu, acenando da margem, vendo o seu barco sumir na névoa.

A não ser quando sonho com você. E voltamos o tempo, e te reencontro e reescrevo os eventos de formas inéditas. Nós dois cedendo, nos conhecendo, nos apaixonando. Nós dois, juntos, até hoje. Mas então acordo, e a realidade do sol na janela escancara a grande verdade: nada daquilo existiu. 

Então sento na cama, as mãos ajudando o rosto a despertar. Molho as bochechas com a água fria, acordando lentamente, enquanto caminho em busca da primeira xícara de café. Onde você estaria naquele momento? É um jogo que faço comigo mesmo. Ainda pensaria em mim? 

Não, imagino que não. Nós passamos.

E por mais que eu fantasie, vez ou outra, enquanto o sinal de trânsito muda de vermelho para verde, de que ainda há uma parada de trem onde vamos nos encontrar, me conformo com a certeza de que as coisas não são como gostaríamos, ou como elas deveriam ser. E lamento a certeza de que isso nunca vai acontecer. Continuo meu caminho, perdido na música tocando no rádio; sigo em frente.

Passo os dedos pelas fotografias mentais, nunca reveladas. Meu segredo. Os seus olhos de doce melancolia, emoldurados por um rosto de mistério e poesia. A pele branca, delicada. Os cabelos castanhos, cascateando sobre os ombros. Suas voz, seu caminhar, suas coisas tão suas, eu te olhando de longe sem você saber.

A minha moça de olhos tristes, que vez ou outra decide tomar conta do meu sono. E me faz sonhar acordado, como hoje, pensando em você. Pensando em tantas coisas que nunca foram.

Passam as horas, passam os dias, e tudo volta ao normal. E eu sigo a minha vida e você segue a sua. Desencontrados, para sempre. Perdidos. Felizes, cada um ao seu jeito, talvez, sei lá. 

Flutuantes.

Como essas palavras dedicadas a você. E que você nem saberá que são suas.

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